1990, início de uma década importante, para mim particularmente. O primeiro presidente (pós ditadura) eleito pelo voto direto acabara de tomar posse, a guerra fria se aproximava do fim e o horizonte apresentava aquilo que alguns “profetas” iriam, erroneamente, chamar de “fim da história”.
Foi em meio a todo este turbilhão de acontecimentos que ouvi falar pela primeira vez do Public Enemy, um dos grandes ícones do hip-hop e da música mundial. Hoje, numa época em que o mainstrean é dominado por nomes como Fiffty Cents e os vídeo-clipes norte americanos de rap remetem, a carros, mulheres dinheiro e ostentação vazia a perder de vista, é difícil imaginar um discurso tão visceral e contundente quanto o do Public Enemy na programação normal da MTV.
A postura do trio influenciou toda uma geração de artistas no mundo inteiro (o Racionais Mcs surgiu tendo o Public Enemy como principal referência) e deu ao rap uma conotação que vêm se perdendo com o passar dos anos, a idéia de críticas ácidas e inteligentes. Gente como Zack de La Rocha e seus companheiros do Rage Against The Machine, sofreram influência direta do trabalho e da postura ativista do grupo. As letras de Chuck D, Flavor Flav e o Dj Terminator X, focavam sempre questões como racismo, mobilização social e criticavam até mesmo a política externa e belicista dos Estados Unidos.
O álbum Fear of a Black Planet, lançado no ano de 1990, está entre os mais importantes discos da história, trazendo faixas como a antológica “Fight the Power”, música que no ano anterior- 1989- havia sido tema do filme “Faça a coisa certa” do cineasta Spike Lee. Impressionante o quanto, 18 anos depois, o álbum permanece atual e instigante. O trabalho foi construído num período em que o rap estava muito mais ligado ao conceito de contra-cultura do que a qualquer tipo de modismo e estereótipo midiático. Músicas marcantes como “Brothers Gonna Work It out” fugiam totalmente da linha convencional do gênero, misturando guitarras a samplers barulhentos ( sirenes e outros sons indecifráveis) que davam a base perfeita para as mensagens politizadas e corrosivas de Chuck D, a exemplo de clássicos como “Welcome to The Terrordrome” e a polêmica “Anti-nigger Machine”.
O manifesto ia além das letras, era estético também, uma verdadeira desconstrução de tudo que era (e ainda é) convencional na indústria fonográfica. Posteriormente vieram outros discos memoráveis dentre os quais destaco os ótimos “He got game” (1998) e “Revolverlution” (2002). Quando Chuck D (Carlton Douglas Ridenhour) fundou o grupo, nos anos 1980, tinha a intenção clara de trazer algo totalmente novo à construção musical do rap. A contribuição do Public Enemy para o hip-hop (que é uma cultura e não simplesmente um estilo musical) pode ser facilmente comparada com a importância que bandas como Rolling Stones têm para a história do rock e todo o modelo de comportamento que o estilo traz na bagagem. Chuck D e Cia completam mais de vinte anos de estrada, é um dos poucos grupos e artistas de rap daquele período ainda em atividade, o que os deixa entre os trabalhos mais duradouros da história, ao lado de grupos importantes como o RUN DMC e De La soul.
Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que, se me apaixonei pelo hip-hop de forma irremediável foi por causa de discos como Fear of a Black Planet e outros tantos trabalhos inspirados na postura dos Public Enemy, e se existe uma essência atemporal para o rap eles são alguns dos grandes responsáveis por isso.