quarta-feira, 12 de abril de 2017

A escola como um microverso da intolerância


Em entrevista à revista Fórum a professora Analise da Silva celebra a chegada de cotas aos cursos de pós graduação da UFMG e faz uma crítica muito pertinente ao programa “Escola Sem Partidos”, que presta um desserviço à educação dos jovens sob esse discurso criado após essa onda antipetista que se traduziu em uma onda anti todo e qualquer discurso progressista.
O foco é que, como a professora lembrou bem, jovens abandonam a escola antes de concluírem o ensino médio por enfrentarem o racismo, a homofobia, o machismo e todas as demais perseguições violentas por parte dos colegas, cuja educação na rua ou em casa não lhes permite conviver com a diversidade, muito pelo contrário, a tendência é rechaçá-la.

Nisso, me lembrei dos meus tempos de escola. Muito cedo aprendi a ter vergonha da minha boca, minha boca de negro. Porque recebia diversos apelidos vindos de outros meninos também negros (em sua maioria) e pobres (em sua totalidade). Mas essas crianças não se reconheciam como negras, bastava uma tonalidade levemente mais cara para que se sentissem autorizadas a tratar o colega como “macaco”, “beiço de mula”, entre outras classificações. Tudo isso era muito comum e transformava a escola num ambiente extremamente hostil, principalmente se o aluno não estava cercado por outros que pudessem ajudá-lo a se defender dos demais ou não tinha força física para tanto. As meninas negras também tinham sua autoestima constantemente reduzida por apelidos que fariam referência às suas características étnicas, desvalorizando-as. Um colega de classe, que aos 10 anos aparentava ser mais afeminado foi agredido durante o intervalo por outros 10 ou 15 meninos da minha sala, que passarem pimenta na boca e nos olhos dele.  No outro ano uma menina foi cercada no intervalo por outros vários meninos que a assediaram, ela que também tinha apenas 10 ou 11 anos. Toda essa violência veio de crianças que reproduziram o comportamento e a visão intolerante, do poder do mais forte sobre o mais fraco, da homofobia, do racismo e do machismo. Essas coisas aconteciam e se repetiam tendo, no máximo, uma repreensão dos professores, mas nada no sentido pedagógico, nada que realmente mudasse suas perspectivas ou que coibisse atos assim vindos dos alunos que viriam depois. É só um pequeno exemplo da importância de educar quanto à diversidade, a identidade de gênero, ensinar a história e a cultura oriunda da África.  Tudo isso somado ao investimento pífio na educação no Brasil, o que não fazia com que nenhum de nós visse ali qualquer perspectiva. A evasão da escola, era e é muito comum. Entrei para a estatística dos jovens com mais de 18 anos que não concluíram o ensino médio, e tudo começa com uma escola que não acolhe a diversidade, que não ensina suas crianças a lidar com as diferenças e o impacto pode ser sentido ao longo da vida, como sub-emprego e repetição das condições de pobreza e exclusão. Fui um dos poucos que retornou depois e, mesmo fora da faixa etária tida como ideal, concluí o ensino médio aos 23 e entrei para a faculdade aos 26 anos. Penso o quanto um ensino que contemple um olhar mais diverso, que trate do respeito às diferenças étnicas, religiosas, de identidade de gênero teria contribuído para a formação de toda a minha geração e de outras. A tal “Escola Sem Partido” fomenta uma escola da intolerância e da violência física e simbólica, além ao embotamento mental ao qual os alunos são submetidos.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Após a ressaca

É hora de juntar os cacos de uma democracia que agora só existe na ideia.  A participação popular na escolha do chefe de Estado, suspensa desde 64, retornou em 1985, mas só se efetivou de fato em 1989 e amadurecemos desde então. Até ela, com pouco mais de três décadas, ser interrompida novamente na noite de 11 de maio de 2016. O que houve não é qualquer coisa. Quem apoiou essa arbitrariedade de forma irresponsável contribuiu para o surgimento de um precedente muito perigoso. Os políticos aprenderam que, numa democracia imatura tudo é possível e que eles podem comandar o jogo a seu bel prazer. Para quem acha que é exagero de quem compara esse período com o de 1964, basta ver a postura arrogante do judiciário, a patrulha ideológica que já se iniciou nas universidades e escolas, impedindo estudantes de debaterem o atual momento e professores impedidos de dar suas opiniões porque querem que prevaleça uma determinada versão da história, como foi antes. Temo pelo futuro deste País, temo ter voltado à época em que quem é como eu, preto, favelado e sem bens, tinha o subemprego como futuro certo se tivesse sorte. Temer conta agora com a aliança de sujeitos como Malafaia, conhecido por seu fundamentalismo e preconceito. A perseguição contra as religiões de matriz africana, que nunca cessou, deve aumentar agora.  
Quem agora comemora a repressão à esquerda não percebe que essa mesma violência pode atingi-lo amanhã se quiser protestar contra o governo que agora está aí ou contra qualquer coisa que o incomode dentro do atual status quo e que não fez mais nada além de mostrar que o voto é algo para não ser respeitado, não importa se é seu ou se é meu. Nossa luta agora é por um Brasil onde não prevaleça a ignorância e o obscurantismo, onde a voz conquistada por mulheres, negros, pobres, LGBTs, quilombolas e indígenas seja respeitada. Uma coisa é fato: daqui não saímos,  não saímos da militância nas ruas nem das redes. 

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Violência da exclusão que gera violência


Pobreza por si só é violenta, porque exclui. Esse é um ponto. Mas não é a pobreza que causa a violência urbana, como muita gente pensa, é a desigualdade. Parece obvio, né?
Lembro de uma entrevista do Gilberto Dimenstein em que ele abordava o tema e citava países miseráveis como a Índia, onde o índice de violência era bem menor do que aqui. Motivo? Em poucos lugares do mundo o contraste social é tão gritante. Sobe o Morro do Papagaio pra ver. A linha que separa os barracos dos casarões é nula, a discrepância de oportunidades entre quem tem e quem não tem é gritante. 
Na minha adolescência eu lembro de amigos que falavam em "roubar o tênis do boy" e havia muito ressentimento naquela fala, raiva mesmo. Porque não importava o quanto trabalhassem, eles não poderiam nunca ter o símbolo de status que estava ao alcance de quem morava no "asfalto" e que era oferecido pra eles, pra gente, da mesma forma. O Brasil mudou. O "tênis" e alguns outros símbolos de status não eram mais um problema, ainda assim continuávamos uma das piores distribuições de renda do mundo.
Alguém do outro lado não entendeu a equação, e reclamou de programas de distribuição que contribuíam para a redução dessa desigualdade violenta que gera violência. Devido a uma série de fatores as preces de quem queria dar fim a isso foram atendidas.Burrice. Com a iminente redução de direitos, redução de acessos, acirrando ainda mais as diferenças, eu não vejo uma realidade boa pra ninguém. É um contexto violento dos dois lados, mas eu sei muito bem quem perde mais nisso tudo.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Elite Cultural


Quando ingressei na faculdade de jornalismo em 2003, na Newton Paiva (só no ano seguinte iria para a PUC), ainda não existiam programas como Pró Uni ou mesmo o sistema de cotas sociais e raciais. Naquela época, ir para um centro universitário, uma universidade, ainda era um processo pra poucos. A federal, sempre muito concorrida, desencorajava gente que, como eu, só há pouco havia se convencido que poderia mesmo fazer uma graduação. Sim, pobres e negros (e negro frequentemente é pobre) precisam se convencer de que pertencem àquele espaço. Ainda mais naquele período, anterior à toda essa moçada empoderada que andou tomando de assalto as espaços acadêmicos públicos via ações afirmativas, e com resultados exitosos. Não tínhamos essa referência ainda. Entrar para as particulares também não consistia tarefa fácil. Ainda eram poucas as instituições privadas existentes e, mesmo com uma concorrência menor em relação à UFMG, as vagas eram bem disputadas, por muita gente vinda de boas escolas particulares. Enfim, de qualquer forma era a famosa “competição justa” da qual sempre ouvimos falar. Passei em 15º. Nada mal, considerando o meu baixo nível de auto-confiança e auto-estima para encarar a empreitada. Ao passar, feliz com o resultado e comemorando o fato de ser o primeiro homem da família a ingressar numa instituição de ensino superior, sendo eu a quarta geração de indivíduos nascidos “livres” em território brasileiro... Sim, só isso. 
Parece que foi num passado longínquo, mas 117 anos não é tanto tempo assim, é literalmente “ontem”. Se o processo de auto-convencimento de que deveria ocupar aquele espaço foi penoso, difícil, de uma forma que só quem vem da mesma realidade pode entender, conseguir passar foi uma grande recompensa, mas ainda havia a questão financeira. Lembrei-me de um samba do Martinho da Vila, onde ele narra a história do sujeito pobre que passava num vestibular, mas numa faculdade particular. Meu caso. O próximo desafio do aluno de baixa renda era justamente arcar com os custos. Minha mensalidade custava em torno de R$ 521,00 e eu tinha um salário de R$ 300,00, como “pau pra toda obra” em um laboratório de análises clínicas. Eram dois meses de trampo para uma mensalidade, mas encarei assim mesmo, e não fui o único. Uma vez lá dentro soube de outros colegas com poucas condições financeiras que também se arriscaram, esperando que algo mudasse pra melhor no meio do caminho. Invariavelmente, esses alunos abandonavam os cursos. Boa parte desses pouquíssimos que tentavam, jamais retornariam para qualquer outro espaço acadêmico. No fim, sentíamos na prática a desconstrução da falácia do mito do “homem que se faz por si mesmo”, como se o ambiente em volta e as condições sociais e históricas não contassem.

Na primeira semana de aula, o reitor, e também um dos donos da faculdade, recebia os alunos recém chegados com muita pompa, num grande auditório. Não me lembro de quase nada do discurso, a não ser a parte em que ele dizia: “De agora em diante vocês são a elite cultural deste país”. Aquilo ficou martelando, talvez por vaidade e deslumbramento de alguém que achou que jamais pisaria ali, mas hoje vêm novas reflexões. Primeiro sobre a possibilidade de alguém, ou um grupo, ser alguma “elite cultural”, porque isso pressupõe a possibilidade de hierarquizar cultura, mas a leitura mais acertada que fica mesmo é a dos meios nas mãos de poucos. Pode não ser isso o que ele tinha em mente enquanto falava, mas, na prática é só um jeito de atestar o conhecimento, e o possível domínio de produção cultural e econômico em detrimento dos demais, sem os mesmos acessos e combalidos financeiramente, principalmente em relação à maioria dos que podiam ocupar aquelas cadeiras. 
E, pensando mais um pouco, reflito o quanto é antipedagógico e destrutivo esse conceito de “elite cultural”, num país de dimensões gigantescas, com tantas manifestações e profundas desigualdades. , naqueles dias maiores do que hoje, acredite. 
Há também a visão de que justo ou não, aquilo, estar ali, consistia num privilégio, não deveria ser, mas era e ainda é.Talvez isso só sirva para reforçar uma ideia de separação entre “os que sabem” e “os que não sabem”. 
A despeito do "privilégio" em relação à grande maioria dos meus pares, não sou, nunca fui, e nem pretende ser elite de coisa alguma. Meu status ainda é de guerrilha, tentando ocupar espaços. Anos depois de oficialmente graduado, embora em outra instituição e como bolsista, sigo aprendendo.

domingo, 11 de outubro de 2015

E ninguém disse que seria fácil...



O jargão “viver é uma arte” é dos mais verdadeiros e não é, de forma alguma,  uma arte fácil. A vida não é preto branco, boa ou má, é tudo isso e todas as variações que existem entre um extremo e outro. E ao mesmo tempo não há classificação possível nessa curta, estranha, empolgante, assustadora e bela experiência da existência... Não há manual de instruções, não há fórmula, não há nada disso. E não há nada que nos prepare, não há atalho, só é possível viver... De preferência sem medo, às vezes saltando com o vagão ainda em movimento porque cada estação que se vai é única, não volta e só é possível saber se é a certa ou não no risco, sem o qual vamos ver a história passar pela janela. E essa divagação barata sobre a vida? É apenas uma repetição do óbvio, mas até isso precisa ser dito de vez em quando. Eternidade é mera abstração e, definitivamente, é algo que não temos.
Gonzaguinha disse bem: "Viver e não ter a vergonha de ser feliz"

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Humor sem Senso


O fato de o programa “Pânico” prescindir de qualquer bom senso para produzir suas “piadas” não é nenhuma novidade. É o tipo de humor que se vale mesmo do mau gosto e do vale tudo. Há quem defenda que, tratando-se de “fazer graça”, realmente vale qualquer coisa. Discordo. Se o humorista precisa recorrer ao preconceito para fazer rir, isso só prova o quanto o sujeito é limitado e mal intencionado mesmo. Não tem meio termo pra isso.  Nos comentários do post relacionado ao quadro racista do programa houve quem argumentasse que “agora tudo é racismo, preconceito, etc”. A velha retórica que tenta desqualificar quem achou a piada ofensiva utilizando termos como “mi, mi,mi” ou “politicamente correto”. A pergunta que me vem é a seguinte: O que você entende por “preconceito”? Uma das formas mais eficazes de perpetuar estereótipos negativos em relação a gênero, etnia ou orientação sexual é justamente aquela piadinha cotidiana, rasteira e imbecil que de inocente não tem nada, já que ela nasce de uma cultura que realmente naturaliza a inferioridade atribuída a determinados grupos. Dizer que está tudo bem porque “eles fazem piadas de brancos também”, é canalhice deliberada ou (foi mal o termo) burrice mesmo. E eu não sei o que é pior, neste caso. Se for a segunda opção a figura precisa compreender a historia a partir do Big-Bang e haja tempo pra isso. Nessa mesma linha de raciocínio, há quem reclame o fato de a sociedade estar ficando mais “careta”, que antigamente podia tudo e hoje não pode nada. Francamente... “Antigamente” meus ancestrais podiam ser açoitados em praça pública, ser homossexual era crime em várias partes do mundo, um estuprador seria perdoado se aceitasse se casar com a vítima e não faz muito tempo que o Brasil deixou de negar com tanta veemência o seu racismo. Reclamar porque as pessoas não se comportam mais como há anos atrás e não aceitam determinadas manifestações preconceituosas, não faz sentido. O mundo muda, a sociedade muda, e não é quem reclama da piada acéfala e anacrônica que está errado. Tanto o piadista do vale tudo quanto o seu público estão vivendo outro tempo que, felizmente, não volta mais. 

sábado, 1 de agosto de 2015

"Imprensa tem que ser livre...E responsável também"


Pra muita gente é difícil (sabe-se lá o porquê) compreender qualquer crítica à nossa mídia atual como algo que vá além do maniqueísmo ou da disputa entre governo e oposição. O “mídia golpista” pode até ter virado um clichê, com os perigos que qualquer frase feita traz,  mas não dá pra dizer que o termo é gratuito.  Essa semana Romário literalmente "tirou onda" e expôs (de novo) o "jornalismo" medíocre e sempre mal intencionado da Veja. Revistinha que se esconde por trás dos preceitos de liberdade de expressão e liberdade de imprensa para agir da forma mais irresponsável e canalha. Lula decidiu processar o diretor da revista e alguns dos seus funcionários por assinarem um texto falacioso sobre uma delação que nunca aconteceu. Incitar o ódio, publicar inverdades, promover a confusão através do medo, são práticas que parecem fazer parte do modus operandi do nosso jornalismo, com todo respeito aos veículos e jornalistas sérios que ainda dignificam a profissão.

É um exagero atribuir a culpa de tudo à imprensa (assim como o é atribuir ao governo, etc, etc) mas a parcela de responsabilidade dos veículos deve ser cobrada, e não é pequena. Fomentar a ignorância política, o “fla-flu”, a visão superficial e rasteira de tudo, interessa a quem? Ao povo é que não.  

Donos dos jornalões, TVs e rádios rugem com todas as forças quando se fala em regulação da mídia e querem convencer que qualquer movimento nesse sentido significa uma volta à “censura” e usam os termos “democracia” e “liberdade” pra justificar suas ações, até as mais absurdas. Certa vez um professor me disse que o fazer jornalístico consiste em uma tentativa de traduzir o mundo, com suas complexidades e idiossincrasias. Obviamente não é tarefa fácil. Imagine então se isso está nas mãos de quem não se responsabiliza, ou por quem se pauta por interesses particulares dos mais escusos?  Claro que imprensa tem que ser livre, e responsável também.