quinta-feira, 17 de junho de 2010

Zé Brown - Repente rap Repente



Repente, hip-hop, coco, embolada, literatura de cordel e outras referências culturais nordestinas: essa é a receita do álbum Repente rap Repente do pernambucano Zé Brown.
Este mc/ repentista iniciou sua carreira em meados da década de 90, com o grupo Faces do Subúrbio, que, naquela época, já mantinha um diálogo muito íntimo com as manifestações culturais de Recife.

Desde 2003, Zé Brown realiza um trabalho de pesquisa sobre a embolada e as técnicas do repente, o resultado é este álbum, concluído em 2009 mas ainda sem lançamento oficial. O disco conta com a produção primorosa do soul man paulista Skowa (Skowa & Máfia e Trio Mocotó) e do músico Janja Gomes (também oriundo do Trio Mocotó), e traz várias (e eficientes) participações.

Não é exagero afirmar que este trabalho merece figurar em qualquer lista dos 10 melhores álbuns do gênero na última década. Sem fazer concessões, Repente rap Repente é original, ousado, e não aparenta ter a menor preocupação em se fazer “produto de exportação”, e é justamente aí que reside um dos seus principais méritos.
O CD mantém um nível muito bom, da primeira à última audição. Ainda assim, algumas músicas (entre as 14 do CD) merecem ser destacadas, a exemplo de “Desafio de Coco”, faixa que traz a participação de João Parahyba e mescla guitarras distorcidas a elementos percussivos e sons de berimbau, criando uma estética única que traduz muito da proposta outsider do álbum. Pode causar estranhamento? Provavelmente. Mas, com certeza ficará muito distante do meio termo e das opiniões unânimes.

Outra música que chama a atenção é “Eu valorizo”, um verdadeiro manifesto em prol da identidade regional presente no disco. Marcada pelo acordeon e pela percussão como seus principais elementos, ela é uma das melhores traduções do rap-repente proposto por Zé Brown.
“Consideração” com letra que narra a experiência de Zé Brown na Suécia, foge um pouco à estética das outras músicas e conta com a participação do rapper sueco Format. Essa deve agradar em cheio aos adeptos do rap “convencional”, embora o termo não se aplique muito bem a um trabalho tão experimental como este. Em “Perito em rima” o produtor Skowa leva o rap-repente de Zé Brown ao universo groovado da funk music.

Sem mais, Repente rap Repente é uma viagem musical sincrética e enriquecedora, daquelas obras que, literalmente, te tiram do lugar.

O álbum conta ainda com as participações de Castanha, Zeca Baleiro, Rappin Hood, DJ Marcelinho e Bola 8 (Nação Zumbi).

Conheça um pouco do trabalho aqui:
http://www.myspace.com/repentistazebrown

sábado, 5 de junho de 2010

Lenis Rino - Cabeça de Pipa

"Pés no chão e cabeça no ar"






O percussionista Lenis Rino já tocou ao lado de nomes importantes da música brasileira, e traz em seu disco de estreia “Cabeça de Pipa” a maturidade de quem está na estrada há alguns anos. E o trabalho surpreende até mesmo aos ouvidos mais desconfiados e exigentes. O disco mistura muito bem uma enorme diversidade rítmica como dub, maracatu, ragga, hip-hop, samba, elementos da música regional nordestina e referências às tradições do candomblé.


O trabalho, composto por 11 faixas, passeia por estes universos distintos e consegue se manter coeso, contando com diversos convidados que dão “os tons” necessários às composições de Lenis Rino. A obra realiza voos ousados, mas mantendo os pés no chão, sem deixar a sensação de experimentalismos casuais ou impensados. É justamente deste conceito que nasce o título “Cabeça de Pipa”: viajar sem perder a conexão, o que o álbum faz muito bem.


A música de abertura “Base Forte” apresenta uma levada rap bem tradicional, uma das influências centrais para o Lenis Rino, já que o músico viveu um bom tempo em São Paulo, um dos principais redutos do gênero no país. A segunda faixa, “Flores de fevereiro” é um rap com influência de música cubana que conta com as rimas de Gaspar, Mc do grupo paulistano Z’áfrica Brasil.


Destaque para “Quase uma”. Viagem instrumental psicodélica que mescla sons sampleados a instrumentos de corda e percussivos. Talvez a música que melhor traduduza o conceito de “Cabeça de Pipa”.
O disco ainda é composto por boas canções como Maleável Mano, Monkey Stile, Zalap e se encerra com dignidade, fugindo completamente do óbvio, na tranquila “Tempo de Anjo”. Fórmula simples: violão e sampler somados à voz de Marina Machado.


Trata-se de um disco para ser ouvido com atenção. Obra conceitual em que as faixas se complementam como em um mosaico sonoro. Coisa cada vez mais rara, principalmente em uma época em que a fruição fugaz e os downloads de fonogramas isolados dificultam este tipo de leitura.
Além dos já citados, o disco também conta com as participações de Marcelo Mariano, Bruno Caram, Alberto Continentino, Anelis Assumpção, Marina Pitier, Denis Duarte, Bruno Buarque e Flávio Maia.
O CD foi lançado pelo selo paulista Traquitana e pode ser ouvido e adquirido aqui.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

"Cadê minha fatia do filé"

(Curumin na música "Mal Estar Card")


















Foto Marco Aurélio Prates



Nesta segunda- feira (31 de maio), artistas, produtores e representantes de setores da cultura como áudio-visual, teatro, e música, estiveram presentes na manifestação realizada em frente ao Palácio das Artes. O encontro foi motivado pela decisão do Governo de Minas Gerais em não renovar os convênios do Programa Música Minas, responsável em 2009 pela circulação de vários músicos por estados brasileiros e pelo exterior, e de 100 Pontos de Cultura.

A decisão do Estado é apoiada em uma interpretação da resolução 23.089 do TSE, que proíbe o repasse de verbas públicas para entidades privadas sem fins lucrativos em período eleitoral. O Secretário de Estado de Cultura, Washington Mello, que esteve presente também na primeira reunião, realizada no dia 26 de maio bibllioteca Luiz Bessa, disse que o Programa Música Minas terá continuidade, mas deverá ser administrado pela Fundação Clóvis Salgado, já que se trata de uma instituição pública e, portanto, não sofre entraves pelo parecer da Advocacia Geral do Estado (AGE).

Após a fala do Secretário uma comissão formada por representantes do teatro, da música, dos Pontos de Cultura e do áudio-visual se organizou para uma reunião com o Secretário e o próprio Governador. A reunião acabou não se concretizando, já que a comissão foi proibida de adentrar o Palácio das Artes, um espaço “público” em que se realizava um evento “privado” realizado pelo Hospital Mater Dei.

A manifestação continuou, com microfone aberto para quem quisesse expressar sua opinião sobre o assunto e com apresentações de artistas locais como Tom Nascimento, Pedro Morais, Dokttor Bhu & Shabê, Renegado, Pablo Castro, entre outros.
O encontro demonstra, mais uma vez, a força do setor cultural em Minas Gerais que agora reivindica o repasse de verbas para os Pontos de Cultura e a transformação de editais como o Música Minas e Filme em Minas, em políticas públicas formalizadas pelo Estado.

Apesar da vitória, ainda há muito a ser feito. O atual governo do Estado de Minas Gerais, representado na figura do senhor Antônio Anastasia, ainda enxerga a cultura como algo secundário e isso pode ser facilmente constatado. Basta observar o postura do governo neste episódio, o que é um reflexo direto dessa visão.

Vale ressaltar que o posicionamento e a organização de toda a classe cultural diante da circunstância foi algo exemplar e digno de nota. Principalmente pela percepção, a meu ver, aguçada, de que a cultura é um todo e está interligada, o que fez com que pessoas oriundas de áreas específicas como teatro e cinema se mobilizassem em prol da música num primeiro momento. O importante é que prevaleceu a noção de que são questões que fazem parte de um todo.

Em uma das últimas falas, o músico e articulador, Vítor Santana, deixou clara a posição dos representantes da música em Minas de apoiar os representantes dos demais setores (cinema, teatro...) em suas reivindicações pelas verbas dos Pontos de Cultura. Ao que tudo indica, o governador terá que lidar com mais este impasse antes das eleições, a começar por toda uma classe artística insatisfeita, que se recusa a continuar “roendo o osso” e “recolhendo migalhas”.
Importante lembrar que, apesar da resolução 23.089, estados como Espírito Santo, Acre e Pernambuco renovaram seus convênios com o terceiro setor.