segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Who whatches the Watchmen




Por Rogério Dias

Watchmen é o nome de uma graphic novel considerada um verdadeiro marco dos quadrinhos modernos. Foi concebida nos anos oitenta pelo inglês Alan Moore e ilustrada por Dave Gibbons. A premissa básica da história é "o que aconteceria se vigilantes mascarados, os chamados super-heróis, existissem realmente?". Estamos falando de um mundo imaginário em que as pessoas realmente saíram às ruas para combater o crime, usando fantasias e espancando criminosos.

É a partir dessa pergunta que Alan Moore desenvolve um roteiro simplesmente impressionante e que influenciaria toda uma geração de artistas de quadrinhos que viriam a seguir.É comum encontrar na internet artigos que associam Watchmen à teoria do caos, que aborda a ligação em rede dos fatos. Isso não é por acaso.

Neste universo realístico, e ao mesmo tempo fantástico, o mundo presencia o surgimento de um super-ser que recebe do próprio governo americano o nome de "Dr Manhattan". Os jornais impressos e noticiários de tv exclamam em alto e bom tom "Superman existe, e é americano". Óbvio que o impacto de um acontecimento assim seria o equivalente à invenção da bomba atômica, reforçando a posição de superpotência dos Estados Unidos.
Há um todo um efeito dominó por conta disso.

Como resultado os Estados Unidos venceram a guerra do Vietnam sem grandes problemas, Nixon se manteve no poder até meados dos anos 1980 e o famigerado caso Watergate jamais veio à tona. Kennedy foi assassinado, por um vigilante mascarado conhecido como "Comediante", o único, além do Dr Manhattam, com permissão para agir.
Nesta realidade o governo americano proibiu todas as atividades de aventureiros mascarados durante os anos 70 (toda a história é ambientada em 1985, com alguns flash’s de outras épocas), o que fez com que toda uma geração de heróis se aposentasse.

A guerra fria entre norte americanos e soviéticos se mantêm tensa, mas o fato de os Estados Unidos "possuírem" o Doutor Manhattan (um homem capaz de alterar estruturas atômicas)lhes dá uma enorme vantagem sobre a URSS.
Importante lembrar que a história foi escrita num período em que a ameaça de um holocausto nuclear, causado pelo embate entre as duas grandes potências, permeava o imaginário vigente.
O roteiro de alan Moore, como não poderia deixar ser, é extremamente complexo e adulto, tendo como um dos pontos fortes o plano de fundo, que explora todo um contexto político e cultural no qual a história se mantém ancorada. A ameaça da guerra é muito mais importante que a trama envolvendo os "super-heróis, e eles estão tão impotantes quanto nós, meros mortais.

Há toda uma galeria de tipos fantasiados, cada qual com características que os aproximam de alguns personagens clássicos das HQS.
Rorschach, por exemplo, é o nome de um vigilante que seria uma versão aproximada do Batman com o Questão (este último menos famoso, personagem da extinta editora Charlton Comics que acabou incorporada pela DC Comics, do grupo Warner). Este vigilante é um sociopata que combate o crime utilizando métodos nada ortodoxos, e um dos únicos a agir livremente mesmo sem a aprovação da lei.

Neste contexto os heróis não são exatamente arquétipos de perfeição e moralidade. Os protagonistas são muitas vezes racistas, fascistas, e alguns tem opções sexuais que se chocam com os valores conservadores da sociedade oitentista, fugindo totalmente do modelo clássico do herói moral e fisicamente "perfeito". Além diiso, suas ações são motivadas por razões como auto-promoção e notoriedade. Nada de motivações nobres como "livrar o mundo da maldade e tirania", o discurso aqui é muito mais honesto. Na história as pessoas têm mais razões para temê-los do que para nutrir algum tipo de admiração por eles.
A luta do "bem contra o mal" não é algo tão simples quanto deveria, e nem se trata de um universo assim tão maniqueísta, o que torna a obra tão fascinante.

A narrativa é cinematográfica, tanto os textos de Moore quanto as ilustrações de Gibbons dão o clima perfeito ao enredo. A exemplo da abertura clássica da história, em que presenciamos o assassinato de um dos personagens em flashback. A cena vertiginosa é digna de qualquer grande obra de Alfred Hitchcock, com todo aquele suspense e clima detevivescos.
Uma boa razão para voltar a falar dessa maxi-série é o fato de os personagens finalmente ganharem representações de carne e osso no cinema. O filme está sendo produzido pela Warner e dirigido por Zack Snyder (300).

Embora Alan Moore costume criticar as adaptações de suas obras para o cinema o filme em questão parece estar indo pelo caminho certo, tanto que o próprio Dave Gibbons (desenhista) deu sua benção ao projeto após ter visto de perto o que estão fazendo por lá. Acredito que mesmo Moore, que tem o hábito de torcer o nariz até para adaptações interessantes como "V de Vingança" (2005), vá gostar do resultado. Em todo caso é aguardar e conferir.

Rogério Dias (ou Roger Deff para os amigos) é colaborador da revista Jararaca Alegre, do site do programa Alto Falante, vocal do Julgamento, leitor assíduo de HQs e estudante de jornalismo.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Quando a sociedade sente-se vingada




Tropa de Elite tornou-se um dos maiores sucessos comerciais do cinema brasileiro, ganhador recente do Urso de Ouro em Bérlim, além de ser a grande vedete dos debates, tanto acadêmicos quanto aqueles gerados em rodas de botequim. O filme dirigido por José Padilha, que agora tem motivos de sobra para sorrir, aborda a rotina do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). Tropa de Elite é narrado por um capitão do BOPE, Roberto Nascimento, personagem de Wagner Moura. Acompanhamos toda a violência da guerra entre Policiais e traficantes através da ótica, obviamente parcial, de um oficial da polícia.

O filme apresenta um viés ideológico perigoso ao dar ares de heroísmo às ações policiais mostradas no filme, o que provocou críticas ferrenhas por parte da imprensa alemã e norte-americana. Entretanto é importante observar o trabalho com um pouco mais de atenção.
Em vários momentos o capitão justifica a ação truculenta da polícia nas favelas do Rio como um ato necessário já que eles estão em uma guerra em que o BOPE é a única fronteira entre os “bandidos” e os “cidadãos de bem”. Para tanto é válido invadir barracões semi-acabados sem mandado (o que não diminuiria a violência do ato) e desrespeitar qualquer direito individual que estes moradores por ventura possuam. É exatamente essa a política de repressão que o governo do Rio utiliza hoje, sob o pretexto de ser a única forma de combater o crime organizado. Nessa assim chamada “guerra”, morreram pessoas inocentes, vítimas da ação policial também. 

Quando o cinema nos mostra homens fardados invadindo o cenário nada convidativo das favelas o que vemos são “heróis” se preparando para o combate em um território em que, a priori, todos são suspeitos pela sua própria condição de pobreza, e se todos são suspeitos devem ser tratados como tal. É assim que agem os policiais apresentados no filme (os da vida real também, em grande parte). As pessoas entenderam o capitão Nascimento como uma espécie de herói, justamente por que ele personifica tudo que o cidadão comum de classe média, acuado e amedrontado pela violência urbana, gostaria que fosse feito. As soluções fáceis e diretas para o problema da violência são as mesmas apresentadas por políticos populistas, cuja ação consiste em invadir lugares desprivilegiados e tratar cidadãos comuns como bandidos. O crime deve ser combatido, afirmação óbvia, mas as pessoas ficariam chocadas se ao invés de barracos a polícia invadisse apartamentos e casas de famílias de classe média com a mesma violência mostrada no filme.

O senso comum faz com que moradores de favela pareçam menos humanos e, portanto, dignos de um tratamento menos respeitoso. Ouvi pessoas dizendo que concordavam com as ações do capitão Nascimento e que aqueles eram métodos necessários para proteger as pessoas de bem. A pergunta que se coloca é se os favelados agredidos e abordados de forma totalmente errada pelos policiais não seriam pessoas "de bem". Dizer que isso acontece por que a favela é reduto de traficantes não é suficiente. Até porque existe tráfico em lugares como universidades (como também é mostrado no filme), raves e outros bailes situados em regiões mais privilegiadas. Nenhum destes lugares presencia a ação violenta dos policiais, por que são freqüentados e habitados por pessoas de “boa índole”. 

Tropa de Elite funciona como uma espécie de termômetro do preconceito que a sociedade nutre em relação aos menos privilegiados. Mas o filme não tende ao maniqueísmo, ele demonstra claramente que mesmo o policial "honesto" pode, em muitos momentos, recorrer aos métodos mais questionáveis para realizar o que considera correto, em uma guerra em que o inimigo tem endereço, aparência e tipos físicos bem definidos. 

domingo, 14 de outubro de 2007

Até qualquer dia

Há um ano atrás o mundo perdia Pedro Marcos Mendes Pinto. Não sei se lamento “pelo mundo”, por não ter a menor noção do quanto esse ser humano contribuiu para que este planeta se tornasse um lugar melhor, ou por nós, amigos que tivemos o prazer de conhecê-lo e hoje sentimos imensamente sua falta.
Pedrão era para mim uma espécie de “herói anônimo”. Um voluntário incansável da Anistia Internacional, um defensor dos direitos individuais. Mas além de tudo isso, Pedrão era meu grande amigo, e ficou um espaço vago, aqui do lado esquerdo, depois de sua partida.
Alguém disse, na ocasião de sua morte, que ele veio ao mundo para nos inspirar. Nos fazer mostrar o que temos de melhor, ou pelo menos fazer com que tentássemos ser um pouco mais do que nossa natureza mesquinha permite.
Recebi a notícia, naquela manhã de 19 de Outubro de 2006, coincidentemente meu aniversário.
No dia seguinte escrevi o texto abaixo, e enviei a todos que o conheciam, ou tinha algum tipo de contato. Era minha tentativa de prestar uma última homenagem ao amigo, de fazê-lo saber o quanto era especial pra gente.
Abaixo o e-mail que escrevi, ainda emocionado, numa espécie de “último bate-papo”.
Até qualquer dia Pedrão.

Cadê a luz meu brother?

Brother meu, brother meu...
Cê nem imagina a falta que cê tá fazendo neste mundo conturbado e louco.
Cheio de gente bitolada e obtusa. Gente preconceituosa preocupada em adequar o mundo às suas normas morais hipócritas.
Tô ficando meio de saco cheio disso.
Acho que você também estava. Uma vez você me falou do significado daquele símbolo da Anistia.
Uma vela, apenas uma vela, cuja pretenção, segundo você, nunca foi iluminar a história toda, apenas ser uma luz singela, mas persistente mostrando a quem quer que fosse que, apesar de tudo, tem gente que se importa.
Existe uma pequena luz indicando que em meio às trevas da truculência, do autoritarismo e do preconceito existem pessoas que pensam além do próprio umbigo.
Brother meu, fiquei mais sozinho sem você aqui. O mundo ficou mais triste, mesmo que a maioria das pessoas não saiba.
Um humanista a menos.
Uma centelha a menos pra ajudar a manter aquela chama acesa.
Roubando as palavras do José Arbex, você foi um dos poucos capaz de dignificar o termo "humanidade".
Orgulho e privilégio de ter sido seu contemporâneo, acima de tudo, de ter sido seu irmão.
Você se foi meu brother, mas a sua essência permanece, tá bem viva em cada um que te conheceu.
Você veio ao mundo pra deixar um exemplo, e eu aprendi.
Aprendi que o que dá sentido à vida é a luta pela preservação da mesma, aprendi que só aprendemos para ensinar alguma coisa boa ao próximo.
Você veio, deu sua contribuição anônima e se foi. Um herói anônimo.
Nós continuamos aqui, meu brother, em meio a guerras, conflitos e gente muito medíocre preocupada em rotular "bons e maus" exercitando seu egocentrismo exacerbado e passando a cartilha adiante...
Me dá desanimo pensar nisso, mas não foi isso que você fez. Pelo contrário, preferiu fazer alguma diferença e dormir sabendo que, apesar de tudo, você fez sua parte.

É por causa de gente como você que a gente não se acovarda. É por causa de gente assim, que o mundo não vai de vez para o buraco,
É só porque conheci gente como você que eu ainda acredito em alguma coisa. Tem esperança sim.
Ainda tem gente mais preocupada em realizar algo pelo bem coletivo do que em provar suas "verdades"...
Mas disso você já sabe. Sua missão tá cumprida, passou a bola pra frente.
E sua estadia curta aqui ajudou a fazer deste um lugar melhor para se viver.
Viver sem medo. É nisso que você acreditava, não é mesmo?
Só não dá pra te dizer adeus meu irmão, nem se eu quizesse, você é, e será sempre o exemplo mais intenso pra mim. Exemplo de que nós fazemos diferença.
Você tá aqui, em cada palavra, em cada idéia deste texto e vai estar sempre, toda vez que alguém neste planeta lutar e gritar por justiça,
liberdade e igualdade.

"...porque uma coisa é violar os direitos humanos no anonimato, outra coisa é fazer isso quando as pessoas começam a agir " - Pedro Marcos

terça-feira, 24 de julho de 2007

Termo em discussão



Durante um bate papo com meu amigo Guilherme Gonser, sujeito engajado da cena musical/independente de Belo Horizonte, discutimos um pouco sobre o conceito de "música independente".
Eu tinha bem claro para mim que o termo deveria se aplicar apenas ao pessoal que estivesse fora do “esquemão” das grandes gravadoras, enfim, àqueles que dependem única e exclusivamente dos próprios recursos para produzir o seu trabalho artístico.

Repensei essa idéia depois que o Guilherme me mostrou o piloto de um programa de rádio, que ele está desenvolvendo, cujo tema central é justamente o assunto em pauta neste texto. No programa, duas figuras importantes do cenário músical em Minas discutiam o assunto:
Um deles é o Leandro Ferrari, músico que conhece de perto a indústria mainstrean e o Claudão, dono do bar “A obra”, um dos principais redutos da cena independente de BH (e do Brasil, sem exageros). O Claudão definiu o termo de uma forma que eu não havia pensado antes. Para ele o artista pode ser considerado independente desde que realize a concepção do seu trabalho de uma forma autônoma, sem forçar a barra para se encaixar no mercado, e isso pode ocorrer mesmo estando em um grande selo.

Definir o termo a partir daí abre parâmetros mais amplos e precisos de avaliação, já que o importante é a forma do trabalho realizado, e não os meios de distribuição e divulgação, pelo menos é assim que eu enxergo a coisa.
Alguns exemplos clássicos: Chico Science e Nação Zumbi estavam na Sony durante os anos 90, e nem por isso deixaram de realizar seus trabalhos da maneira que achavam correta. Tem ainda, Marcelo D2 e cia, nos bons tempos do Planet Hemp, e o que dizer então do Cordel do Fogo Encantado? Gosto de pensar na independência por este lado da postura do artista em “brigar” por sua liberdade criativa. Por outro lado, é pertinente indagar até que ponto essa “liberdade criativa” é possível quando se está irremediavelmente atrelado ao mercado da música. Mesmo olhando a coisa a partir desta ótica, considero as observações do Claudão muito válidas. Noto hoje que muitos selos perceberam que dar liberdade ao artista é algo que pode ser perfeitamente colaborativo para o sucesso comercial da empreitada, e não um impecílio como se imagina comumente. A lição partiu dos próprios artistas e selos independentes que vêm surgindo nos últimos tempos. A gravadora Trama, de João Marcelo Bôscoli foi o primeiro selo independente do Brasil a conseguir uma colocação firme no mercado fonográfico. Não cabe aqui discutir os fatores que influenciaram no resultado positivo do selo, o importante é perceber o quanto vêm se tornando cada vez mais viável a produção de uma música compromissada única e exclusivamente com a arte em si e com o público (não necessariamente com a massa). A própria forma de “consumir” música hoje em dia contribui para essa reconfiguração. A possibilidade de os artistas divulgarem seus trabalhos através da web fez com que as gravadoras perdessem o posto privilegiado que ocupavam em outros tempos, quando constituíam a única possibilidade de escoamento para a produção musical.
Enfim, os tempos mudaram e ser “independente” não é mais uma questão de estar alijado do grande mercado fonográfico, trata-se de uma determinada postura, uma forma de encarar e construir o trabalho de uma maneira que se possa chamar de “autêntica”.


Rogério Dias é estudante de jornalismo e colaborador da revista de humor e cultura “Jararaca Alegre”