domingo, 26 de abril de 2009

Gabriel Contino, o homem que eles amam odiar


O ano era 1993, a palavra “rap” era desconhecida da maior parte do público brasileiro. Apesar de nomes como a dupla paulista Thaide & Dj Hum terem iniciado o processo com a primeira música do gênero executada em FM`s ainda em 1988, a popularização do estilo acabou ficando sob a responsabilidade de um garoto carioca de classe média chamado Gabriel Contino.


Filho da assessora de imprensa da campanha de Fernando Collor de Melo, Belisa Ribeiro, Gabriel cresceu ouvindo Bob Marley, e em certa altura da vida se viu fortemente influenciado por ícones como Run DMC e Beastie Boys, o que fez com que ele se interessasse pelo hip-hop. Conheceu a cultura com o sucesso estrondoso do álbum Thriller do Michael Jackson, que usava muito do impacto visual dos passos de break dance, e depois com o filme Beat Street, que apresentava as quatro artes básicas do hip-hop (rap, break, Dj, grafite).


A música que levaria Contino ao mainstream (de uma forma meio indireta) foi gravada em 1992, no estúdio de um amigo, com poucos recursos, e satirizava a morte (fictícia, claro) do então presidente Collor. A música “Hoje eu to feliz: matei o presidente“ foi censurada pelo ministério da justiça, o que só serviu para aguçar a curiosidade das pessoas quanto ao trabalho do rapper.


Como resultado, Gabriel foi o primeiro rapper da história do Brasil a assinar contrato com um grande selo. O disco de estréia levava o nome adotado pelo rapper: “Gabriel O Pensador” e foi lançado pelo selo Chaos/ Sony Music, que também foi responsável pelos discos do Planet Hemp. O sucesso foi imediato, a música Retrato de um Playboy, que ironizava o modo de vida de uma parcela da classe média brasileira, caiu rapidamente no gosto popular. Irônia ou não, os playboys criticados por Gabriel eram alguns de seus maiores ouvintes.


Outra faixa do disco de estréia de Gabriel que merece destaque é a música lôraburra, que têm seu principal mérito por ter apresentado ao país um certo grupo paulista que se tornaria ícone do rap nacional. Estou falando do Racionais Mcs, cuja música “mulheres vulgares”, do disco de estréia “Holocausto Urbano”, foi sampleada por Gabriel, com direito a citação e tudo: “...e como dizem os Racionais: Mulheres vulgares uma noite e nada mais

Não por acaso, o Racionais teve seu terceiro disco, “Raio X do Brasil” (Zimbabwe- 1993), distribuído pela Warner, e duas músicas amplamente executadas nas rádios comerciais, “Fim de semana no parque” e “ O homem na estrada”. O fato do disco do rapper carioca ter tido uma aceitação acima da média fez com que outras gravadoras enxergassem o rap como um investimento interessante. Apesar do sucesso com o público leigo (ou talvez por causa dele) Gabriel foi hostilizado por uma grande parcela dos ouvintes habituais de hip-hop.
No território paulista, que na época era o mais conhecido reduto dos rappers brasileiros, o Pensador foi visto com desconfiança.
O trabalho foi produzido com competência por Fábio Fonseca, que buscou facetas, até então, inexploradas no rap brazuca, como a mistura de ritmos nordestinos, a exemplo da faixa “E você?”. Gabriel, por sua vez, usava e abusava de boas levadas, críticas inteligentes e bem sacadas, dialogando com as mais diversas camadas sociais, tanto que conseguia porItálico em pauta assuntos que eram (e ainda são) verdadeiros tabus, como a questão do racismo no Brasil.


Se o trabalho reunia todos estes adjetivos, porque a rejeição por parte da comunidade mais ligada ao rap? É preciso analisar o contexto daquele período. Primeiro, a postura bem-humorada de Gabriel, apesar das críticas ácidas, não era algo tão comum entre os rappers brasileiros, a figura do gangsta rap estava em alta neste período. Outro fator a ser considerado é a postura anti-mídia por parte da moçada do hip-hop, muito vigente naqueles tempos. E Gabriel fazia o caminho inverso, indo em programas globais e contracenando com astros do mainstream. Claro que os tempos mudaram (e as mentalidades também), então gente como Xis e Marcelo D2 pôde fazer o mesmo, sendo ainda menos politizados e sem o apedrejamento sofrido pelo Pensador durante os anos 90.

Da mesma forma, o fato de possuir um trabalho com abordagem mais ampla, tratando de assuntos que não estavam ligados especificamente às periferias (e nem poderia ser diferente), pode ter dificultado a sua identificação junto àquele público, muito habituado a ver na figura do rapper um autêntico representante das necessidades de determinada comunidade.

O que não se pode negar é o fato de que o trabalho de Gabriel o Pensador foi essencial para o desenvolvimento e popularização do rap nacional. Sem dúvida, o primeiro artista do gênero a dialogar com os mais diversos públicos, além de servir de inspiração inicial para uma infinidade de rappers, dentre os quais eu me incluo.

A carreira do Pensador continuou (e ainda continua), 6 discos depois, alguns bons, outros totalmente esquecíveis, na minha humilde opinião, o que não reduz a importância da obra do sujeito.

Um comentário:

Guilherme Gonser disse...

Grande Roger! E aí, meu camarada? Tudo certo?

Pois é, velho! A mídia tem de ser, literalmente, USADA pra mostrar as coisas como são. O Gabriel fez isso, e bem. Sobre a escolha pelo RAP vinda de um garoto de classe média, acho que foi uma mistura fantástica de "realidades" diferentes. Se ele tivesse feito outro tipo de som (rock, por exemplo), talvez o impacto não tivesse sido tão forte.

Roger! Foi muito legal a observação que fez contextualizando quem leu o seu texto, sobre esse certo preconceito vindo da moçada que curtia o RAP, em relação ao Gabriel, quando começava a ficar conhecido.

Muito legal o texto!
Abração, velhaço!