quarta-feira, 27 de maio de 2009

Curumin e seu Japan Pop Show


Músico versátil da cena paulista, Curumin fez por merecer os elogios ao seu segundo trabalho. Lançado pelo selo YB Music, Japan Pop Show mostra influências nítidas e diversas, que vão do hip-hop, black music, dub e o mais escancarado funk carioca, ou Miami Bass, se preferirem.

O disco consegue traduzir tudo isso de forma homogênea e fluida sem causar aquela sensação de “opa! Isso não deveria estar aí”. O fato é que Curumin não parece nem um pouco preocupado em se encaixar “neste” ou “naquele” estilo, o que é ótimo, e reúne tudo aquilo que gosta em seu trabalho.


A música de abertura, com o curioso título “Salto no vácuo com joelhada” traz o som de uma daquelas velhas e tradicionais “caixinhas de música”, que aos poucos se mescla às batidas pesadas, lembrando as bases clássicas do Wu tang. O que vêm a seguir é a ótima “Dançando no escuro” com a participação especial do mestre Marku Ribas, sempre impressionante em suas interpretações. Curumin, por sua vez, fez de tudo. Programou a MPC, tocou bateria, baixo e teclado, resultando numa das melhores faixas deste disco.

“Compacto”, já virou hit por aqui e é a primeira vez que ouvimos (neste disco) o multi-instrumentista Curumin cantando (já na terceira faixa). Melódica, tranqüila e com um dos refrões mais pegajosos do disco (no bom sentido) ela foge um pouco do clima da maioria das músicas do álbum, que soa experimental em muitos aspectos, enquanto esta se mantém ancorada num funk brazuca tipo Jorge Ben, competente sem soar pretenciosa.

“Kyoto”, em clima de alerta ecológico, a música conta com as participações dos rappers Blackalicious e Lateef the Thruthspeaker em boas performances, até o Curumin arriscou algumas rimas e mostrou que tem habilidade pra coisa. “Japan Pop Show”, traz um clima de surf music à já complexa salada musical do Curumin, tem pra todos os gostos.
Na sequência a belíssima “Mistério Stéreo”, mais uma prova da versatilidade e riqueza de recursos do músico.
Outra que já entrou fácil para a lista das mais cantadas (pelo menos deste disco) é “Mal estar Card”, bem conhecida pela genial frase “cadê minha fatia de filé? O osso é duro de roer...”Letra ácida e crítica que questiona a disparidade de oportunidades, tão comum em nosso país.

“Caixa Preta” conta com a participação do onipresente B Negão, divertida e dançante bem ao estilo do funk carioca, mas, lógico, sem descambar para a futilidade e o sexismo que popularizou o estilo. “Sambito (Totaru Shock)”. Seria uma espécie de samba de japonês com música eletrônica, inclusive cantado no idioma da terra do sol. Fechando o álbum “Esperança” e “Fu Manchu”, esta última com programações do Daniel Ganjaman, do Instituto, só para frisar, embora as faixas programadas pelo próprio Curumin não percam em nada para esta.

Definir em poucas palavras o trabalho deste cantor, rapper, baterista e beatmaker, entre outras coisas, é impossível e classificá-lo mais ainda (como se fosse realmente necessário algum tipo de rótulo). Vale dizer que o trabalho não é dado de forma gratuita ao ouvinte e se torna melhor ainda a cada nova audição.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sob a sombra do Wu-Tang Clan e 36 Chambers




Considerado um dos mais emblemáticos grupos de rap dos últimos tempos, o Wu Tang Clan é responsável por quebrar alguns paradigmas do estilo e divide opiniões até hoje. Simplesmente não há meio termo, ou se gosta muito do que eles fizeram, ou se odeia completamente. Mas é inegável o fato de que este grupo novaiorquino composto por 9 mcs (!!!) é uma das maiores e mais importantes referências do hip-hop mundial.

O grupo é encabeçado por RZA (líder e produtor do projeto), acompanhado por Old Dirty Bastard –O.D.B- (falecido em 2004), Method Man (o mais carismático dos Wu Tangs), Ghost Face Killa, Inspectah Deck, U -God, Raekwon, Cappadonna e GZA.

O disco de estréia Enter the Wu-Tang (36 Chambers) -1993- foi um contra-ponto interessante num período dominado pelo rap super-produzido de Los Angeles, representado por nomes como Snoop Dogg e seu então recém lançado Doggystile (1993), álbum de estréia do rapper , e Doctor Dre com seu “The Chronic” (1992). Dre é considerado por muitos como o “Midas” do gênero por revelar, além de Snoop Dogg, outros caça-níqueis da indústria fonográfica como Eminem e 50 Cent.

O Wu Tang trazia em 36 Chambers outra proposta estética, bem mais simples, com samplers crus inaugurando a era do efeito loop “descarado” nas bases de rap, ou seja, samplers propositalmente repetitivos, deixando toda a atenção voltada para as levadas e versos dos rappers.

No geral o som apresentava um aspecto mais rústico, mas o que a primeira vista pode parecer falta de recursos é algo proposital, como o próprio RZA explicou posteriormente, e essa estética se tornou uma das principais marcas do grupo que mostrava bons mcs em ótimas performances, abordando assuntos ligados às comunidades negras norte-americanas.

Se por um lado o Wu Tang estava longe da ostentação do rap produzido em Los Angeles (a velha história de carros e mulheres), também não apresentava a sofisticação do discurso politizado do Public Enemy. RZA e seus “asseclas” estavam mais voltados para as ruas com um discurso tão direto quanto o seu som.

Obviamente isso não diz muito sobre o que é este disco ou mesmo o fenômeno que se tornou o Wu Tang Clan. O grupo é tão icônico que chega a ser quase uma religião, com seguidores no mundo inteiro. Para entender melhor este universo é necessário observar as referências que deram origem ao trabalho.

Além de tentar trazer de volta o espírito do hip-hop do início dos anos 80 o grupo tinha como inspiração os tradicionais filmes setentistas de Kung-fu, tanto que o nome “Wu Tang” é inspirado em um destes filmes “B”. O próprio título do cd “36 Chambers” (36 salas) é uma alusão a um destes enlatados, que conta a história em que os monges do Wu Tang têm que atravessar as 36 câmaras do templo Shaolin.

Tais referências foram importantes, principalmente para RZA que, não por acaso, se tornaria responsável pela trilha sonora dos filmes Kill Bill Vol 1 e Volume 2, dirigidos por Quentin Tarantino e estrelados por Uma Thurman.

Voltando ao 36 Chambers, o disco está recheado de efeitos sonoros tirados diretamente dos filmes clássicos de artes marciais dos anos 70, além de falas (da dublagem em inglês, é claro) constantemente encontradas nos interlúdios e introduções das músicas. Até mesmo trechos das trilhas sonoras foram utilizados na construção das bases.

É difícil eleger quais as melhores faixas deste álbum, mas, para apontar algumas, segue a lista: CREAM, a música é trilha sonora clássica para qualquer um que tenha acompanhado o rap norte americano dos últimos 15 anos. Shame on a Nigga, faixa funkeada, uma das melhores na minha opinião, que só por reunir ODB, Method Man e Ghost Face Killa já vale o tempo de audição.

Clan In da Front exemplo de base repetitiva, sem grandes variações sonoras, que, como eu havia dito, tornou-se uma das marcas do grupo. Outra que não pode ser esquecida é a fantástica Method Man, interpretada pelo próprio Method, onde ele já mostrava as qualidades que o definiriam posteriormente como o principal nome do Clan, como o carisma citado anteriormente, a ótima performance vocal e a genialidade de suas rimas.

36 Chambers é considerado por muitos como o melhor dos 5 álbuns lançados pelo Wu Tang, posição disputada pelo segundo disco, Wu Tang Forever (1997).

De qualquer forma o trabalho é quase uma unanimidade e é, de longe, um dos melhores discos da história fonográfica do hip-hop. O que não quer dizer que indivíduos pouco habituados ao estilo vão gostar logo de início, mas é um bom lugar pra começar, principalmente para entender o mito por trás do Clan. Fica a dica.