segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Persépolis



Persépolis, de Marjane Satrapi, é um dos mais instigantes livros que tive o prazer de ler. A história, autobiográfica, relata a trajetória da jovem nascida no Irã no final dos anos sessenta, o que deu a ela a possibilidade de viver sob um sistema político laico, situação que mudou em 1979 com a ascensão do governo xiita e o conseqüente fundamentalismo religioso que tomou conta daquele país. A partir daí somos levados a viver, através dos olhos de Marjane Satrapi, todo o drama relativo à perda crescente dos direitos individuais, características presentes em qualquer sistema totalitário.

O romance vai de encontro aos nossos preconceitos ocidentais, invalidando a visão limitada de que o oriente é o “lar dos homens-bomba”, dos “fanáticos religiosos” e das mulheres oprimidas e conformadas com todo uma tradição machista e retrógrada. A história de Sartrapi mostra o abismo existente entre “a imagem” construída pelos meios de comunicação e a realidade vivida por muitos iranianos.

A autora do livro é bisneta do imperador iraniano, deposto após o golpe que levou o Xá Rezah ao poder, sucedido pelo filho numa das ditaduras mais sangrentas da história. Educada em uma família moderna e com fortes convicções de esquerda, Marjane estava distante das convenções sociais rígidas que a obrigaram a usar o véu islâmico aos dez anos de idade.

Suas condições financeiras e sociais privilegiadas deram a ela a possibilidade de estudar na Europa e conhecer outras formas de convívio, ao mesmo tempo aprendeu que o ocidente também possui os seus fundamentalismos, religiosos ou não. Formada em Belas Artes a autora escolheu a arte seqüencial para contar a história, resultando naquilo que Will Eisner (o grande mestre dos quadrinhos) chamaria de uma perfeita combinação entre “imagem e prosa”.

Persépoles é uma leitura deliciosa e instrutiva, conseguindo manter o difícil equilíbrio entre a denúncia contra o autoritarismo e o preconceito, e o texto agradável que fala de incertezas inerentes às nossas escolhas pessoais. A obra foi premiada em 2004 com o prêmio de Melhor Hitsória em Quadrinhos na Feira de Frankfurt em 2004.

Traduzido para vários países, o livro ganhou o cinema através da adaptação animada de mesmo nome em 2007.

domingo, 18 de outubro de 2009

As idiossincrasias do edifício de Will Eisner



Will Eisner (1917- 2005) é um dos mais importantes nomes dos quadrinhos de todos os tempos, responsável (ao lado de outros autores) por conferir aos gibis o status de arte autônoma, ao criar o conceito de Graphic Novel em 1978 com sua obra “A contract with god”. Daquele momento em diante os quadrinhos iniciavam sua jornada rumo a caminhos que levariam à criação de obras primas como Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons (1985) e Dark Knight, de Frank Miller e Klaus Janson (1986).

Eisner se tornou um mestre em contar histórias fantásticas mas de um ponto de vista cotidiano, com as características humanas como foco central, a exemplo de sua criação mais conhecida, o personagem Spirit.

“O edifício”, quadrinho escrito e desenhado por Eisner em 1987, é uma metáfora sobre a própria vida. A existência de um determinado edifício situado em Nova York se mescla às trajetórias de quatro indivíduos.
O enredo nos leva a vivenciar os dramas, desilusões e anseios de personagens extremamente críveis e tridimensionais, pessoas comuns, que ganham contornos poéticos sob o lápis e imaginação de Eisner.

Monroe Mensh, um típico cidadão novayorquino, Gilda Green, uma bela mulher, Antonio Tonatti, um talentoso violonista e P.J Hammond um milionário. Personagens trágicos, cuja única característica em comum é o fato de suas histórias estarem irremediavelmente ligadas ao edifício, o local onde toda a trama se desenrola.

É neste momento, quando somos apresentados aos “heróis”, que entra o elemento fantástico da história: são quatro fantasmas, mas todo surrealismo se encerra por aí. O que vêm a seguir são enredos tocantes, que nos fazem pensar sobre as limitações inerentes ao próprio percurso da vida, nossos sucessos, anseios e fracassos.

Após ler essa obra é difícil não olhar para cada constructo de concreto da cidade e imaginar as histórias que fizeram e fazem parte da existências destes espaços, como o próprio Will Eisner disse no prefácio da Graphic Novel:

Agora estou certo de que essas estruturas marcadas por risos e manchadas por lágrimas são mais do que edifícios inertes. É impossível pensar que, ao fazerem parte da vida, não tenham absorvido as radiações provenientes da interação humana. Eu me pergunto sobre o que resta depois que um prédio é demolido.” Will Eisner - 1987