Quando a filósofa Marilena Chauí disse que pertencemos a uma geração privilegiada, pelo fato de termos presenciado transformações políticas importantes, eu me identifiquei imediatamente com ela. A vitória de Lula há oito anos atrás representou a ruptura com uma tradição política elitista e oligárquica. O simples fato do ex-torneiro mecânico assumir o cargo mais importante do país já significava um enorme avanço. Claro que a história não o perdoaria se ele não fosse, no mínimo, melhor que seus antecessores. E foi o que de fato aconteceu.
Embora tenha tido uma vitória esmagadora sobre o adversário José Serra, Lula não contava, obviamente com a simpatia das elites brasileiras. O preconceito pela origem humilde e por não possuir um diploma de curso superior eram explícitos, por parte dos mais diversos setores da sociedade. Anos depois, mesmo com escândalos envolvendo membros de seu governo e a perseguição constante por parte da ala mais conservadora da imprensa, Luiz Inácio da Silva chega ao final de seu governo com o maior índice de aprovação já experimentado por um presidente brasileiro.
Fazendo um breve retrospecto, o governo de Lula colocou o país como uma das principais lideranças mundiais, melhorou a distribuição de renda do país e ampliou o acesso ao ensino superior, embora os investimentos na educação básica ainda sejam insuficientes.
O saldo é positivo em todos os aspectos, o sucesso do governo petista abriu precedentes importantes em termos de políticas sociais, culturais e econômicas, além de situar o presidente como uma das figuras mais influentes do quadro político internacional, admirado inclusive pelo atual presidente dos EUA, Barack Obhama, cuja eleição também representou uma quebra de paradigmas pelo fato de representar o retorno dos democratas ao poder, após anos do desastroso governo republicano de George W Bush, e por ser o primeiro negro a ocupar a cadeira da nação mais poderosa da terra. Isso cerca de 40 anos após a luta pelos direitos civis naquele país.
A eleição de Dilma Roussef para a Presidência da República representa, para mim, um passo tão importante quanto o que foi dado há oito anos atrás, com a vitória de Lula. Estamos diante de outra ruptura, temos uma mulher no poder em uma sociedade ainda patriarcal. Segundo, Dilma representa a continuidade de um projeto social que mudou o panorama do país.
A campanha presidencial também ficará marcada na história por razões menos dignas de orgulho, como o tom religioso que predominou durante boa parte da campanha. Ao mesmo tempo em que a discussão sobre o aborto saiu do campo da saúde pública para o reducionismo moralista da questão. O Brasil se mostrou um país conservador em vários aspectos, embora o fator “Lula” tenha prevalecido no final.
E será justamente este um dos maiores desafios de Dilma, a figura mítica do presidente mais popular da história do país até então.
Na ocasião em que Lula assumiu a Presidência do país em 2003 eu acabava de ingressar na faculdade, hoje sou o primeiro homem da minha família a conquistar um diploma de curso superior. Motivo de alegria e de preocupação já que segundo dados do IBGE o percentual de negros com formação universitária ainda é de apenas 4,7%, embora tenha aumentado nos últimos anos, ao passo em que o percentual de brancos é de 15%. Mais um desafio, entre muitos, a ser enfrentado pelo próximo governo.
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