terça-feira, 18 de março de 2014

Entre Amarildos e Cláudias



 Amarildo, ajudante de pedreiro, outrora anônimo, cujo nome virou sinônimo de marginalizados que engrossam as estatísticas dos desaparecidos nas favelas brasileiras. Os demais “desaparecidos” sequer têm nomes ou rostos.
Essa semana outro nome virou sinônimo de brutalidade nas periferias dos grandes centros: Cláudia Silva Ferreira, mulher de 38 anos, moradora do Morro da Congonha (RJ) baleada e depois jogada no porta-malas da viatura que abriu e arrastou seu corpo por vários metros.

Ouvi pelo noticiário que vão investigar o motivo do porta-malas se abrir durante o trajeto quando os questionamentos mais básicos não estão sendo feitos. Os policiais abriram fogo de forma irresponsável em uma comunidade sem se preocuparem se alguém poderia ser atingido. Nada novo, a história é velha e não será a última ocorrência. A segunda questão é o descaso com que Cláudia foi tratada, jogada no porta-malas da viatura... Não é apenas descuido é descaso.  Tudo motivado pela certeza de que ali, naquele local, residem grupos humanos (ou nem isso) menos dignos de respeito.  Antes de criar unidades pacificadoras é necessário humanizar a polícia.

quarta-feira, 5 de março de 2014

ROBOCOP

José Padilha supera o estigma dos remakes ao apresentar uma versão relevante do policial do futuro

José Padilha, responsável pelos dois “Tropa de Elite” e “Ônibus 174”, encarou um desafio espinhoso ao refilmar o clássico Robocop, do profícuo cineasta Paul Verhoven.  Há tempos Hollywood sofre de uma profunda crise criativa (dos produtores e não dos diretores), resultado do inchaço da própria indústria que a obriga a recorrer a fórmulas comprovadamente funcionais e rentáveis, e eis que os famigerados remakes se apresentam como soluções excelentes para manter os cofres aquecidos. Claro, o resultado, na maioria das vezes é catastrófico, vide a versão (desnecessária, como a maioria) do filme Psicose, de Alfred Hitchcock.  A desastre comprovado no desperdício de película em questão serviu como aviso de que algumas coisas não precisam e não devem ser refeitas, embora isso pouco signifique para a lógica do lucro, que, no fim das contas é o principal motor da máquina hollywoodiana.
Enfim, em meio a este cenário de reproduções caça-níqueis, o Robocop do brasileiro José Padilha consegue um resultado bem acima da média. Embora o estilo marcado pelo humor ácido e violência explícita constituíssem características marcantes das obras de Paul Verhoven, o que torna ainda mais complicada qualquer tentativa de emulá-las, Padilha imprime sua própria visão e estilo ao filme.  A história, que explora o papel das megacorporações e sua influência na política e, consequentemente, na vida cotidiana, estabelece diálogo direto com os trabalhos do diretor brasileiro, que já explorava o tema da violência exercida pelo poder em seus filmes anteriores. Sob o olhar de Padilha, a história do policial Alex Murphy abordou temas atuais, como a crescente militarização da segurança pública, e apresentou situações que servem de alusão tanto à interferência bélica dos Estados Unidos no oriente médio e demais economias em desenvolvimento, quanto às ocupações das favelas cariocas, através das UPPs (Unidades Pacificadoras). A violência apresentada no filme de 1985 era clara, sem subterfúgios, além de tratar de outros temas incômodos e que ainda são pautas para a sociedade atual. A nova versão mantém a relevância e consegue ser mais que uma simples (e dispensável) atualização do original. O drama do homem que tem mais de 90% do seu corpo substituído por próteses cibernéticas e se esforça para manter sua humanidade ganha outros contornos, deixando a perspectiva do policial Alex Murphy mais evidente.  Samuel L Jackson interpreta um apresentador sensacionalista e reacionário, bem ao estilo Sheherazade e Datena, o que conduz o espectador pelo viés ideológico da mídia vigente, bem como pelo loby dos setores conservadores, ao mesmo tempo em que apresenta um sub-texto que contradiz o discurso oficial apresentado. O filme traz pontos de vista diversos, sobre questões que estão longe de ser simples o que fez com que alguns o apontassem como uma obra confusa e indefinida. Para mim, a escolha por uma visão caleidoscópica é ousada e traduz bem o grau de fragmentação em que as sociedades se encontram. A transcrição de um cenário complexo como este não é tarefa das mais simples, mas o resultado não deixa a desejar.

Entre tantas coisas, é bom perceber que a assinatura de Padilha se mantém intacta e, independente das inevitáveis comparações com o anterior, para o bem e para o mal, o novo Robocop não é um mero pastiche e não supera apenas a qualidade duvidosa da onda de remakes, é também um filme de verão superior a outros trabalhos feitos para agradar a audiência.