José Padilha supera
o estigma dos remakes ao apresentar uma versão relevante do policial do futuro
José Padilha, responsável pelos
dois “Tropa de Elite” e “Ônibus 174”, encarou um desafio espinhoso ao refilmar
o clássico Robocop, do profícuo cineasta Paul Verhoven. Há tempos Hollywood sofre de uma profunda
crise criativa (dos produtores e não dos diretores), resultado do inchaço da
própria indústria que a obriga a recorrer a fórmulas comprovadamente funcionais
e rentáveis, e eis que os famigerados remakes
se apresentam como soluções excelentes para manter os cofres aquecidos. Claro,
o resultado, na maioria das vezes é catastrófico, vide a versão (desnecessária,
como a maioria) do filme Psicose, de Alfred Hitchcock. A desastre comprovado no desperdício de
película em questão serviu como aviso de que algumas coisas não precisam e não
devem ser refeitas, embora isso pouco signifique para a lógica do lucro, que,
no fim das contas é o principal motor da máquina hollywoodiana.
Enfim, em meio a este cenário de
reproduções caça-níqueis, o Robocop do brasileiro José Padilha consegue um
resultado bem acima da média. Embora o estilo marcado pelo humor ácido e
violência explícita constituíssem características marcantes das obras de Paul
Verhoven, o que torna ainda mais complicada qualquer tentativa de emulá-las,
Padilha imprime sua própria visão e estilo ao filme. A história, que explora o papel das megacorporações
e sua influência na política e, consequentemente, na vida cotidiana, estabelece
diálogo direto com os trabalhos do diretor brasileiro, que já explorava o tema
da violência exercida pelo poder em seus filmes anteriores. Sob o olhar de
Padilha, a história do policial Alex Murphy abordou temas atuais, como a
crescente militarização da segurança pública, e apresentou situações que servem
de alusão tanto à interferência bélica dos Estados Unidos no oriente médio e
demais economias em desenvolvimento, quanto às ocupações das favelas cariocas,
através das UPPs (Unidades Pacificadoras). A violência apresentada no filme de
1985 era clara, sem subterfúgios, além de tratar de outros temas incômodos e
que ainda são pautas para a sociedade atual. A nova versão mantém a relevância
e consegue ser mais que uma simples (e dispensável) atualização do original. O
drama do homem que tem mais de 90% do seu corpo substituído por próteses
cibernéticas e se esforça para manter sua humanidade ganha outros contornos,
deixando a perspectiva do policial Alex Murphy mais evidente. Samuel L Jackson interpreta um apresentador
sensacionalista e reacionário, bem ao estilo Sheherazade e Datena, o que conduz
o espectador pelo viés ideológico da mídia vigente, bem como pelo loby dos
setores conservadores, ao mesmo tempo em que apresenta um sub-texto que
contradiz o discurso oficial apresentado. O filme traz pontos de vista
diversos, sobre questões que estão longe de ser simples o que fez com que
alguns o apontassem como uma obra confusa e indefinida. Para mim, a escolha por
uma visão caleidoscópica é ousada e traduz bem o grau de fragmentação em que as
sociedades se encontram. A transcrição de um cenário complexo como este não é
tarefa das mais simples, mas o resultado não deixa a desejar.
Entre tantas coisas, é bom
perceber que a assinatura de Padilha se mantém intacta e, independente das
inevitáveis comparações com o anterior, para o bem e para o mal, o novo Robocop
não é um mero pastiche e não supera apenas a qualidade duvidosa da onda de
remakes, é também um filme de verão superior a outros trabalhos feitos para
agradar a audiência.