terça-feira, 13 de novembro de 2007

Quando a sociedade sente-se vingada




Tropa de Elite tornou-se um dos maiores sucessos comerciais do cinema brasileiro, ganhador recente do Urso de Ouro em Bérlim, além de ser a grande vedete dos debates, tanto acadêmicos quanto aqueles gerados em rodas de botequim. O filme dirigido por José Padilha, que agora tem motivos de sobra para sorrir, aborda a rotina do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). Tropa de Elite é narrado por um capitão do BOPE, Roberto Nascimento, personagem de Wagner Moura. Acompanhamos toda a violência da guerra entre Policiais e traficantes através da ótica, obviamente parcial, de um oficial da polícia.

O filme apresenta um viés ideológico perigoso ao dar ares de heroísmo às ações policiais mostradas no filme, o que provocou críticas ferrenhas por parte da imprensa alemã e norte-americana. Entretanto é importante observar o trabalho com um pouco mais de atenção.
Em vários momentos o capitão justifica a ação truculenta da polícia nas favelas do Rio como um ato necessário já que eles estão em uma guerra em que o BOPE é a única fronteira entre os “bandidos” e os “cidadãos de bem”. Para tanto é válido invadir barracões semi-acabados sem mandado (o que não diminuiria a violência do ato) e desrespeitar qualquer direito individual que estes moradores por ventura possuam. É exatamente essa a política de repressão que o governo do Rio utiliza hoje, sob o pretexto de ser a única forma de combater o crime organizado. Nessa assim chamada “guerra”, morreram pessoas inocentes, vítimas da ação policial também. 

Quando o cinema nos mostra homens fardados invadindo o cenário nada convidativo das favelas o que vemos são “heróis” se preparando para o combate em um território em que, a priori, todos são suspeitos pela sua própria condição de pobreza, e se todos são suspeitos devem ser tratados como tal. É assim que agem os policiais apresentados no filme (os da vida real também, em grande parte). As pessoas entenderam o capitão Nascimento como uma espécie de herói, justamente por que ele personifica tudo que o cidadão comum de classe média, acuado e amedrontado pela violência urbana, gostaria que fosse feito. As soluções fáceis e diretas para o problema da violência são as mesmas apresentadas por políticos populistas, cuja ação consiste em invadir lugares desprivilegiados e tratar cidadãos comuns como bandidos. O crime deve ser combatido, afirmação óbvia, mas as pessoas ficariam chocadas se ao invés de barracos a polícia invadisse apartamentos e casas de famílias de classe média com a mesma violência mostrada no filme.

O senso comum faz com que moradores de favela pareçam menos humanos e, portanto, dignos de um tratamento menos respeitoso. Ouvi pessoas dizendo que concordavam com as ações do capitão Nascimento e que aqueles eram métodos necessários para proteger as pessoas de bem. A pergunta que se coloca é se os favelados agredidos e abordados de forma totalmente errada pelos policiais não seriam pessoas "de bem". Dizer que isso acontece por que a favela é reduto de traficantes não é suficiente. Até porque existe tráfico em lugares como universidades (como também é mostrado no filme), raves e outros bailes situados em regiões mais privilegiadas. Nenhum destes lugares presencia a ação violenta dos policiais, por que são freqüentados e habitados por pessoas de “boa índole”. 

Tropa de Elite funciona como uma espécie de termômetro do preconceito que a sociedade nutre em relação aos menos privilegiados. Mas o filme não tende ao maniqueísmo, ele demonstra claramente que mesmo o policial "honesto" pode, em muitos momentos, recorrer aos métodos mais questionáveis para realizar o que considera correto, em uma guerra em que o inimigo tem endereço, aparência e tipos físicos bem definidos. 

Um comentário:

Mateus Sartori disse...
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