segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Conceição



Com esse título, é inevitável lembrar da música do Caubi Peixoto. Mas não é este o ponto.
É engraçado como crescemos e passamos uma boa parte de nossas vidas sem nos dar conta de quem realmente são nossos pais, ou melhor sem compreendê-los enquanto as pessoas que eles são. Sem querer me arriscar com minha psicologia barata, mas acredito que isso se deve ao fato de passarmos muito tempo com uma ideia preconcebida de quem eles são. Enfim, são figuras que se encontram completas em nossas mentes, e durante um período considerável os enxergamos como indivíduos sem falhas, verdadeiros arquétipos. Depois os consideramos obsoletos, porque o comportamento “descolado” dos colegas de adolescência se revela muito mais interessante.
Passada essa fase turbulenta de hormônios em agitação e compreensão do mundo (essa última não cessa nunca) passamos a vê-los como são, como pessoas. No entanto, a idéia maternal/ paternal mantém uma barreira que nos impede de ver a totalidade da pessoa por trás daquela figura a quem aprendemos a respeitar. Minha mãe, Conceição Francisca Dias, se encaixa na descrição. Exemplo de luta, ela veio cedo para Belo Horizonte, trabalhou como diarista para garantir o sustento e foi com esse suor que ela conseguiu criar os três filhos. Digna de admiração, com certeza. Eu sempre soube disso, mas ela ainda me surpreende.
Ela, assim como milhares de brasileiros vindos da zona rural, não teve a oportunidade de estudar, as circunstâncias da vida não lhe deixaram escolhas. Entre os três filhos sou o único que ingressou em uma faculdade. São outros tempos, época em que os estudos se tornaram mais acessíveis, mesmo assim sei que pertenço a uma estatística pequena de negros que conseguem alcançar a formação superior, ainda que com uma base escolar deficitária e numa universidade particular (paradoxos dos nossos tempos). 

Certa vez minha mãe, dona de uma sabedoria empírica e um olhar muito mais atento à realidade que muita gente “instruída”, comentou o quanto se realizava através dos meus estudos. E ela não referia-se ao dinheiro que eu poderia vir a ganhar, mas à possibilidade de expressão que ela nunca tivera e eu poderia ter. Ela compreendia muito bem o valor simbólico vindo do conhecimento e me disse o quanto era ruim não poder “dizer” as coisas e participar de determinadas discussões, simplesmente por não saber o que e como dizer. Encerrou a fala enfatizando que estava feliz por eu ter a oportunidade que ela não teve, de intervir, participar...
A cada nova conversa eu aprendia um pouco mais sobre aquela pessoa, de quem eu julgava erroneamente saber tudo, e aprendia mais sobre mim também. Mas de tudo, o mais importante é que, apesar das privações, minha mãe desenvolveu uma visão de mundo humanista, com valores que muita gente só cultiva superficialmente, talvez até para atender a uma exigência social. Ela se ressentia por não ter nos dado mais, e eu a corrijo sempre, porque ela nos deu muito. Teto, educação e as condições para que eu pudesse escolher o caminho que escolhi, além do exemplo e a inspiração para que não desistíssemos diante de qualquer dificuldade, tanto ela quanto minha tia Luzia, minha segunda mãe. Eu não poderia ter sido criado por pessoas melhores.
Mãe sempre tem razão, mas devo discordar, de novo, quando ela diz que não sabia o que e como dizer. Ela e minha tia estão entre as pessoas mais sábias que conheci ao longo da vida. E o valor não está em "como", mas no conteúdo do que é dito. 

domingo, 29 de janeiro de 2012

Um câncer chamado especulação imobiliária (vide Cracolândia e Pinheirinho)



O governo de São Paulo tem feito por merecer as alcunhas que recebeu nos blogs e redes sociais. A gestão de Geraldo Alckmin se mostra cada dia mais fascista e retrograda. Absurdo o tratamento dado aos viciados da cracolândia paulistana, relatos de violência desnecessária utilizada pelos policiais pipocam nas redes. O que é, nitidamente, um problema de saúde pública foi transformado em um caso de enfrentamento policial, infringindo mais sofrimento àquelas pessoas. O plano mirabolante consistia em privar os viciados da droga e do lugar onde a utilizavam forçando-os a procurar ajuda, o que consequentemente reduziria o consumo.

Inflamando ainda mais a situação, a operação se mostrou atabalhoada quando vários viciados não conseguiram se internar ao procurarem a tal ajuda anunciada. A cidade não contava com a infraestrutura necessária para receber os usuários, o que só me leva a concluir que não houve de fato preocupação em preparar clínicas de tratamento em quantidade o suficiente para a demanda. Ao que tudo indica, a medida tem cunho meramente higienista, ou seja, a intenção é “limpar” aquela região da cidade para valorizar os imóveis. Tudo em nome de um câncer chamado especulação imobiliária.

O massacre de Pinheirinho, comunidade onde moravam mais de seis mil pessoas, em São José dos Campos, foi outra ação equivocada de Alckmin e Cia. A tropa de choque foi enviada para restituir a propriedade a Naji Nahas, empresário que, segundo informações, deve milhões à prefeitura de São Paulo. Tanto Geraldo Alckmin quanto Eduardo Cury, respectivamente, governador de São Paulo e prefeito de São José dos Campos, são agora responsáveis por um dos episódios mais emblemáticos no que diz respeito à violação de direitos humanos em nossa história recente. Os relatos são assustadores e vão de espancamentos a óbitos, incluindo uma criança de 4 anos que teria falecido após ser atingida por uma bala de borracha no pescoço.

O episódio indescritível e inominável para mim, custou caro para a imagem política do governador e do prefeito, é o tipo de mancha difícil de esconder. Agora que o estrago foi feito, ambos anunciam a construção de casas populares para abrigar pessoas pobres da cidade, o que poderia ter sido feito antes e sem nenhuma intervenção militar.

Choca? Sim e muito, mas tão surpreendente quanto isso é notar que uma boa parcela da população apóia o que aconteceu lá. Não foram poucos os comentários que li na internet em que as pessoas diziam concordar com o que foi feito, tudo baseado na defesa da “propriedade privada”, com argumentos do tipo: “imagine se invadem a sua casa, você concordaria?”

O grau de individualismo e ignorância chega a ser tão extremo que o sujeito não consegue diferenciar um latifúndio que foi utilizado para uma função social, não entro aqui em discussões legais, de uma propriedade que de fato é a moradia de alguém. Muito menos se dá conta de que cerca de seis mil pessoas estão agora desabrigadas e com marcas profundas em seus históricos pessoais. Como se não bastasse a pobreza, esses cidadãos foram tratados como criminosos e, por mais que a reintegração de posse estivesse dentro da Lei, a ação truculenta e irresponsável não se justifica. Era uma obrigação do Estado estabelecer um canal de diálogo e encontrar uma solução pacífica. O Brasil reforçou aqui sua conhecida tradição de ojeriza aos movimentos sociais e tratamento violento para as camadas mais pobres. Repressão, porrada e cadeia para quem não se enquadra ou abaixa a cabeça. Histórias como a de Canudos, registrada no romance de Euclides da Cunha, parecem se repetir e é incrível o quanto a situação se mantém praticamente inalterada, não importa o quanto avancemos em outros aspectos.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Inadequado



O recente caso do suposto estupro no BBB, envolvendo os participantes Daniel (31) e Monique (23) trouxe à tona, de maneira ainda mais evidente, algumas facetas nada dignas de orgulho do nosso comportamento. Há quem diga que Monique é culpada pelo que aconteceu, como se tivesse dado permissão para o abuso sexual, opinião que revela um dos lados mais repulsivos do machismo tão vigente no país. Do outro lado, há quem associe a conduta, sem dúvida condenável, de Daniel à sua condição de negro, o que evidencia outro preconceito profundamente arraigado em nossa cultura e que se mantém velado na maior parte do tempo, mas se mostra de maneira desavergonhada em momentos assim.

Tão ruim quanto tudo o que foi citado até aqui é o comportamento da mega corporação televisiva que transmite o reality show no Brasil. A Rede Globo tentou até o último momento ignorar o que aconteceu e só tomou uma posição quando viu que não tinha como ignorar a opinião pública, vide o caso da marcha pelas Diretas Já em 1984, quando a emissora disse de maneira clara que era tudo parte das comemorações do aniversário de São Paulo.

Daniel está fora da casa e já responde moralmente por seu erro, aguardando agora as devidas sansões legais. A nota da Rede Globo classifica o comportamento de Daniel como “inadequado”. Correto. Mas não deixa de ser irônico, principalmente vindo do canal de TV que promove e veicula um reallity show que propicia o que há de mais degradante no comportamento humano, e vende isso como uma espécie de padrão a ser seguido, uma vez que transforma desconhecidos em celebridades, premiando a super-exposição midiática, super-valorizando atributos físicos em detrimento de aspectos comportamentais e tornando tudo isso parte do kit de objetos de desejo do cidadão comum. O que é mesmo “inadequado”?

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Osama salvaria Obama?



Tão perto das eleições presidenciais norte-americanas (novembro de 2012) e aquele otimismo que contagiou a todos na ocasião em que Obama foi eleito parece simplesmente ter desaparecido. Vamos aos fatos: há poucas razões para qualquer otimismo em relação ao futuro político dos Estados Unidos. O país não tem apresentado indícios de crescimento e sua máquina de guerra começa a lhe custar caro, atingindo uma região sensível do Tio Sam, o bolso.
Redundante dizer, mas vale lembrar assim mesmo, que W Bush, o antecessor de Obama, havia realizado uma campanha tão ruim que até o estadunidense mais conservador estava ansioso para se livrar dele, logo o mundo respirava aliviado pelo fato de George se despedir da Casa Branca. Isso foi amplificado um milhão de vezes com a possibilidade de o novo ocupante da cadeira presidencial ser um negro- o que era, e é, uma quebra de paradigmas digna de nota - além de ser do partido republicano, "O" contra-ponto ao que Bush representava políticamente.
No entanto, a América continuaria a mesma. Não me lembro de quem foi essa frase mas ela se encaixa perfeitamente no contexto “somos um país muito conservador e não mudaremos tão facilmente”, Fato! Logo é ilusão imaginar que alguém poderia se sobrepor a toda a história política dos Estados Unidos da América e mudar drasticamente sua relação com o restante do mundo.
Mas o maior desafio do então novo presidente não se encontrava nos embates bélicos do oriente médio e sim em casa. A economia precisava crescer, era necessário que mais empregos fossem gerados, o que não aconteceu de forma expressiva.
Hoje a realidade econômica dos norte-americanos é ainda mais grave e isso se reflete em movimentos como o Ocuppy Wall Street e o Tea Party. Embora partam de pontos de vista antagônicos (o primeiro situado mais à esquerda e o segundo proveniente de uma linha conservadora de direita) os dois movimentos demonstram a insatisfação dos americanos com a stual situação e demonstra a fragilidade financeira do país. Segundo especialistas, a desigualdade social americana é comparável a países da América do Sul e da África.
Como resultado, o eleitorado que deu a vitória a Obama se sente enganado porque o Presidente não pôde reduzir as disparidades sociais, e os mais tradicionalistas, normalmente ligados às elites econômicas norte americanas, anseiam por um sucessor que seja capaz de preservar o status quo e os privilégios de alguns grupos.
Escrevi há algum tempo que a morte de Osama Bin Laden, ícone máximo do terrorismo após o 11 de setembro, poderia dar vantagens a Obama nas reeleições, mas ao que parece isso não irá comover o povo americano se seus bolsos continuarem vazios. Trocadilho infame, mas pertinente: nem Osama salva Obama. Piadas a parte, o que assusta é que, no lugar de Obama, a Casa Branca pode receber um republicano ainda mais retrógrado do que George Bush foi, e então teríamos um Estado Americano muito menos disposto ao diálogo do que o que temos hoje. Nada é tão ruim que não possa ser piorado.