sábado, 19 de outubro de 2013

TEXTOS, ERROS, ACERTOS E RASCUNHOS


Quando ingressei na faculdade de jornalismo, em 2003, minha professora de produção de texto, Regina Motta, chamou a atenção para algumas deficiências da minha escrita. Naquela altura do campeonato o remédio era me dedicar bastante, tanto à leitura quanto à produção textual. Não que isso fosse algum sacrifício. A ideia de aprender e compartilhar isso de alguma forma me fascinava, e muito.
 Júlio César Buere, então meu professor de ciências políticas, havia dito que escolhemos “uma vida ao lado de livros”, outra ideia que me agradou em cheio e me perseguiu ao longo dos anos. Daí virei consumidor ávido, embora ainda leia e escreva bem menos do que gostaria.
Essa necessidade prática de articular e registrar ideias me levou à criação do blog “No Foco”, espaço para exercitar o pensamento e aprimorar habilidades necessárias ao ofício que escolhi. Hoje, quando vejo várias das minhas postagens encontro ideias das quais me orgulho, mas que foram mal articuladas, textos que me dão plena satisfação por tê-los escrito e outros totalmente dispensáveis, até mesmo na finalidade. Mas mesmo estes trabalhos menos dignos de ostentação foram necessários e dizem muito sobre quem fui, quem sou e trazem alguns dos porquês de eu ter traçado determinados caminhos.
É meio que uma metáfora da vida. Acho que todo mundo arrisca um pouco da sua porção filósofa em determinados momentos, no meu caso, aniversários sempre despertam alguma reflexão sobre minha própria trajetória, com seus erros, acertos, tentativas, avanços, recuos, interrogações, exclamações e reticências...
Assim como meus textos, meu caminho nessas mais de três décadas de vida possui partes das quais gosto muito e outras nem tanto. Obviamente fico com o saldo positivo de tudo e, olhando daqui, alguns episódios me parecem dignos de esquecimento, mas tiveram seu papel na minha formação pessoal e até me ensinam da importância das tentativas e do valor dos equívocos, que muitas vezes ensinam mais que muitos acertos. Aliás, perfeição é algo muito chato (irreal até) e não pretendo persegui-la. O que não é uma muleta para a repetição dos erros.
Olhando adiante, o que me impulsiona são as tentativas que me permitirão novos aprendizados. E me interessa muito mais a liberdade, sem amarras e obrigações com as “certezas”, do que as hesitações.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

RESPEITO É PRA QUEM TEM

A história de Sabotage é a síntese da saga do próprio rap nacional, inicialmente desacreditado, oriundo dos grotões das periferias dos grandes centros e hoje é celebrado e respeitado até mesmo por quem jamais teve o menor contato com a arte.
A trajetória de Mauro dos Santos, o Sabotage, se confunde com a de milhares de jovens rappers que surgiram durante a segunda metade da década de 90, inspirados por nomes como Thaíde e DJ Hum, Racionais MCs, Gog, Possemente Zulu, Câmbio Negro...
O Poeta do Canão, nome dado em referência à favela em que ele cresceu, na zona sul de São Paulo, era a representante vivo, autêntico e sem maquiagem, de uma parcela do país que, embora numerosa, permanecia invisível para os meios de comunicação. Preto, pobre e artista de um segmento tratado, até então, como uma espécie de subcultura praticada pelos iletrados e alijados da “alta cultura”, sempre distantes dos recursos que lhes possibilitariam produzir “música de qualidade”.

Quando muito, o trabalho recebia um olhar condescendente de quem o compreendia como expressão exótica de garotos favelados que precisavam manifestar suas mazelas e revoltas. Sabotage significou, entre outras coisas, uma quebra de paradigmas no terreno então pouco conhecido do rap brasileiro. Com raríssimas exceções, entre as quais estão artistas como Racionais MCs (ícones máximos do gênero), poucos discos de rap haviam recebido, naquela época, tratamento que os colocasse em pé de igualdade com outros lançamentos do mercado fonográfico nacional. Rap é Compromisso, seu único álbum, já nasceu clássico.  Produzido por Daniel Ganjaman, saiu pelo selo “Cosa Nostra” do próprio Racionais, com distribuição da multinacional Sony Music, além de receber a valiosa chancela do RZO, grupo responsável por mudanças significativas no rap paulistano e, consequentemente, no rap nacional como um todo.

O rapper não passou a integrar a programação das emissoras comerciais de rádio, movidas pela lógica do jabá, mas entrou para o primeiro time do chamado “undergrownd”, numa escalada que muitos consideraram repentina. Além de contar com participações em seu álbum de figuras como Black Alien (então, vocal do Planet Hemp), Chorão (Charlie Brown Jr), Rappin Hood e outros nomes respeitados na cena de São Paulo como Sombra e Bastardo (SNJ) e  Ébano (Potencial 3) , Sabotage participou de gravações com Sepultura, B Negão, SP Funk, dividiu o palco e cenas com o titã Paulo Miklos, recebeu o prêmio de melhor trilha sonora pelo filme “O Invasor”, verdadeiro marco do cinema nacional, e ainda viveu o personagem “Fuinha” no bem sucedido Carandiru, longa metragem de Hector Babenco, onde contracenou com Wagner Moura, Rodrigo Santora e a eterna “ex-chacrete”, Rita Cadilac.
Toda essa ascensão "meteórica” aconteceu no período de um ano, tempo entre o lançamento do seu disco e a morte violenta que interrompeu sua carreira. Não são poucos os que atribuem ao trabalho do velho Sabota uma boa parcela da responsabilidade pelo respeito que o rap alcançou recentemente. E o papel do  seu trabalho é inegável, sem dúvida. Mauro dos Santos foi um dos primeiros a romper com um certo tradicionalismo e provar que a interlocução com outros segmentos era possível, mais que isso, era desejável e necessária. Mostrou na prática que ocupar os espaços e manter a autenticidade não eram coisas incompatíveis, e abriu precedentes para que uma vindoura geração de MCs seguisse caminhos antes inalcançáveis e até condenados dentro do universo das rimas e batidas.
Sabotage quebrou uma certa noção preestabelecida de “limites” para os padrões do rap nacional e rompeu com a própria invisibilidade decorrente da sua cor e classe social. A história do jovem que abandonou o tráfico por ter encontrado na arte uma alternativa traz reflexões importantes sobre outros potenciais que se perdem pela ausência de oportunidades, falta reforçada pelas políticas cegas e ineficazes de combate ao crime, mais centradas em gerar corpos e prisões do que em desenvolver ações capazes de promover a inclusão.

Tive a feliz oportunidade de conversar com Mauro Mateus, antes mesmo de tudo o que aconteceu com a sua música, ainda no início da carreira. "Maurim", como era chamado pelos mais próximos, era simples, dono de uma inteligência inata que lhe permitia vislumbrar horizontes a quilômetros de distância. Na época ele sugeriu de nos ajudarmos mutuamente, quando os respectivos CDs fossem lançados. Nunca mais o vi. Já naqueles dias ele contava com as bênçãos dos gigantes lendários do rap brazuca (Racionais, Thaíde, Rappin Hood...), mesmo assim tinha a sensibilidade de perceber que o caminho era construir pontes.  Sabotage representou a todos nós e ensinou também que “rap é compromisso, não é viagem...” Assim como um de seus versos, ele não fez sua "parte pela metade", e deixou bem claro que “respeito é pra quem tem”.