Pensar em educação e cultura implica, consequentemente, pensar em pessoas transformadas por estes bens. Vivemos em um país que, apesar do crescimento econômico e do inegável aumento do acesso ao curso superior, ainda sofre um alto nível de déficit educacional. Isso pode ser facilmente percebido na educação básica.
O atual modelo de ensino público têm enfrentado diversos problemas que vão dos baixos salários dos professores à baixa qualidade do ensino oferecido aos jovens, que terão que disputar (se conseguirem ao menos disputar) por um espaço no mercado de trabalho, sob supostas condições de igualdade, com quem pôde estudar nas escolas particulares e posteriormente nas boas universidades do país. Em suma, a luta continua desigual.
E aí vivemos a contradição perene: As escolas públicas não fornecem condições para que os jovens consigam ingressar nas universidades públicas e terão em sua maioria, que disputar as vagas nas faculdades particulares, o que ainda constitui um problema a ser resolvido, já que o ensino superior privado tende a ser ocupado justamente pelos que têm menos condições financeiras, isso sob perspectivas otimistas, contando com a possibilidade real de jovens pobres que consigam concluir o ensino fundamental e disputar uma vaga no ensino superior.
Do outro lado, as escolas privadas, com salários mais atraentes para professores e em condições de oferecer um ensino mais qualificado, preparam melhor seus alunos que são a maioria dos que ocupam cadeiras nas universidades públicas e nos cursos mais desejados (medicina, engenharia etc). Paradoxal, não? As atuais condições contribuem para que se perpetue o círculo vicioso, que exige das famílias, cujas condições econômicas ainda permanecem precárias, um esforço sobre-humano para superá-las.
As dificuldades em se tratar deste tema tornam-se ainda mais profundas, principalmente sob a ideologia do made-self man, que diz que há oportunidades iguais para todos e, portanto, cada indivíduo é responsável pelo próprio sucesso ou fracasso, em uma perspectiva individualista que ignora todo e qualquer contexto social e econômico e serve de suporte para as vendas crescentes dos livros de auto-ajuda, e transformam nomes como Lair Ribeiro em verdadeiros gurus modernos.
Neste quadro o acesso à cultura, aos livros, ao conhecimento é algo libertador. Para além das questões referentes à erradicação das disparidades sociais (onde a educação se mostrou um dos caminhos mais eficientes), a cultura permite aos indivíduos a possibilidade de escolha, de questionamento e afirmação de identidade. E, talvez, até mesmo de compreensão do “Outro”, embora isso nem sempre ocorra.
Arthur C Clarke, escritor de ficção científica falecido em 2008, conhecido principalmente por seu livro 2001: Uma Odisseia no Espaço, que foi adaptado para o cinema pelo diretor Stanley Kubrick, escreveu em um de seus livros lançados na década de sessenta (Perfis do Futuro), sobre uma espécie de biblioteca global, onde todo o conhecimento humano estaria acessível a todos. Não é preciso muito esforço para traduzir essa “previsão” e compreender que ele falava da internet, embora obviamente não soubesse disso.
O que Clarke não poderia “prever” é que as possibilidade quase ilimitadas de acesso não resultariam, necessariamente, em aumento de repertório cultural. Temos que lidar com outras questões mais amplas ainda, a exemplo de algumas mudanças de âmbito cultural, como o fato de nos tornarmos cada vez mais uma sociedade de imagens, com jovens que consomem menos livros e cada vez mais habituados a pílulas de informação, o que os distancia muitas vezes da possibilidade de pensamento crítico e reflexivo.
Trata-se do cenário perfeito para a apatia política e social, bem como a constituição do público ideal para as respostas fáceis fornecidas por aproveitadores religiosos e dos já citados livros de receita para o sucesso.
Apesar do aparente pessimismo deste texto, é perceptível o fato de que estamos avançando em muitos aspectos e que o horizonte parece ser muito mais promissor do que aquele que podíamos visualizar há cerca de uma década atrás, mas ainda há muito a ser feito, principalmente se considerarmos que nem todas as mudanças são para melhor e que, ao mesmo tempo, não existe a tal “situação ideal”, o que temos é a busca constante por melhores condições e lutas que resultam em alterações práticas, ora mais tímidas, ora mais perceptíveis. Educação e cultura são algumas das ferramentas básicas para que as transformações que almejamos se concretizem.