A história de Sabotage é a
síntese da saga do próprio rap nacional, inicialmente desacreditado, oriundo
dos grotões das periferias dos grandes centros e hoje é celebrado e respeitado até mesmo por quem jamais teve o menor contato
com a arte.
A trajetória de Mauro dos Santos,
o Sabotage, se confunde com a de milhares de jovens rappers que surgiram durante
a segunda metade da década de 90, inspirados por nomes como Thaíde e DJ Hum,
Racionais MCs, Gog, Possemente Zulu, Câmbio Negro...
O Poeta do Canão, nome
dado em referência à favela em que ele cresceu, na zona sul de São Paulo, era a
representante vivo, autêntico e sem maquiagem, de uma parcela do país que, embora numerosa, permanecia invisível para os meios de comunicação. Preto,
pobre e artista de um segmento tratado, até então, como uma espécie de
subcultura praticada pelos iletrados e alijados da “alta cultura”, sempre distantes
dos recursos que lhes possibilitariam produzir “música de qualidade”.
Quando muito, o trabalho recebia
um olhar condescendente de quem o compreendia como expressão exótica de garotos
favelados que precisavam manifestar suas mazelas e revoltas. Sabotage significou, entre
outras coisas, uma quebra de paradigmas no terreno então pouco conhecido do rap
brasileiro. Com raríssimas exceções, entre as quais estão artistas como Racionais
MCs (ícones máximos do gênero), poucos discos de rap haviam recebido, naquela
época, tratamento que os colocasse em pé de igualdade com outros lançamentos do
mercado fonográfico nacional. Rap é
Compromisso, seu único álbum, já nasceu clássico. Produzido por Daniel Ganjaman, saiu pelo selo “Cosa
Nostra” do próprio Racionais, com distribuição da multinacional Sony Music,
além de receber a valiosa chancela do RZO, grupo responsável por mudanças significativas no
rap paulistano e, consequentemente, no rap nacional como um todo.
O rapper não passou a integrar a
programação das emissoras comerciais de rádio, movidas pela lógica do jabá, mas
entrou para o primeiro time do chamado “undergrownd”, numa escalada que muitos
consideraram repentina. Além de contar com participações em seu álbum de
figuras como Black Alien (então, vocal do Planet Hemp), Chorão (Charlie Brown
Jr), Rappin Hood e outros nomes respeitados na cena de São Paulo como Sombra e Bastardo (SNJ) e Ébano (Potencial
3) , Sabotage participou de gravações com Sepultura, B Negão, SP Funk, dividiu o
palco e cenas com o titã Paulo Miklos, recebeu o prêmio de melhor trilha sonora
pelo filme “O Invasor”, verdadeiro marco do cinema nacional, e ainda viveu o
personagem “Fuinha” no bem sucedido Carandiru, longa metragem de Hector Babenco, onde
contracenou com Wagner Moura, Rodrigo Santora e a eterna “ex-chacrete”, Rita Cadilac.
Toda essa ascensão "meteórica”
aconteceu no período de um ano, tempo entre o lançamento do seu disco e a morte
violenta que interrompeu sua carreira. Não são poucos os que atribuem ao
trabalho do velho Sabota uma boa parcela da responsabilidade pelo respeito que
o rap alcançou recentemente. E o papel do seu trabalho é inegável, sem dúvida. Mauro dos Santos foi um dos primeiros a romper com
um certo tradicionalismo e provar que a interlocução com outros segmentos era
possível, mais que isso, era desejável e necessária. Mostrou na prática que
ocupar os espaços e manter a autenticidade não eram coisas incompatíveis, e
abriu precedentes para que uma vindoura geração de MCs seguisse caminhos antes
inalcançáveis e até condenados dentro do universo das rimas e batidas.
Sabotage quebrou uma certa noção preestabelecida
de “limites” para os padrões do rap nacional e rompeu com a própria
invisibilidade decorrente da sua cor e classe social. A história do jovem que
abandonou o tráfico por ter encontrado na arte uma alternativa traz reflexões
importantes sobre outros potenciais que se perdem pela ausência de
oportunidades, falta reforçada pelas políticas cegas e ineficazes de combate ao
crime, mais centradas em gerar corpos e prisões do que em desenvolver ações capazes
de promover a inclusão.
Tive a feliz oportunidade de
conversar com Mauro Mateus, antes mesmo de tudo o que aconteceu com a sua música, ainda no início da carreira. "Maurim", como era chamado pelos mais próximos, era
simples, dono de uma inteligência inata que lhe permitia vislumbrar horizontes
a quilômetros de distância. Na época ele sugeriu de nos ajudarmos mutuamente,
quando os respectivos CDs fossem lançados. Nunca mais o vi. Já naqueles dias
ele contava com as bênçãos dos gigantes lendários do rap brazuca (Racionais, Thaíde, Rappin Hood...), mesmo assim tinha
a sensibilidade de perceber que o caminho era construir pontes. Sabotage representou a todos nós e ensinou também que “rap é
compromisso, não é viagem...” Assim como um de seus
versos, ele não fez sua "parte pela metade", e deixou bem claro que “respeito é pra quem
tem”.
Um comentário:
Foda.
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